Quando o passado faz uma visita (parte II)

01 fevereiro 2012 /


Hero - Regina Specktor

Uma lágrima negra de lápis de olho ainda correu a face pálida, manchando o caminho com sua escuridão, embora Lissy já houvesse parado de chorar. Os olhos dourados ainda mal acostumados à luz brilhavam semicerrados enquanto a adrenalina dissolvia-se em incerteza enquanto os olhos dele cravavam nela o seu brilho verde-tenebroso.

Era estranho, pra dizer o mínimo.
Era realmente estranho e estúpido.

Então a explosão.

Lisbeth reuniu as forças que tinha e empurrou com força o peitoral largo de Giuseppe. Ele cambaleou alguns passos pra trás, meio zonzo. Ela montou a melhor face de desprezo que conseguiu em meio aos olhos ainda leitosos do choro. – Seu porco imundo! Que diabos pensa que está fazendo? - gritou em meio à rua deserta que ecoou fracamente sua fúria.

Giuseppe começou a rir um riso grosso, incerto, forte, zombadeiro e quase satisfeito.  A fúria aumentou e ela não fez qualquer questão de controlá-la. Partiu para ele com suas unhas meio roídas e tentou de toda forma arranhar e machucar tudo que pudesse do rosto dele. Reuniu nos dedos e unhas toda a raiva e desprezo que alimentou durante todos aqueles anos. Ele continuava rindo, embora agora também estivesse ciente do ataque e tentasse segurar os pulsos da menina e o próprio riso.

Só então percebeu que ela havia voltado a chorar.

Não um choro comum ou assustado como antes. Era um choro que ardia deixando a garganta, o nariz e a região próxima completamente naquele tom rubro que mesmo com a luz difusa, se mostrava nítido. Um daqueles choros que se acumula com anos de força. Aos poucos, ela se encolheu fazendo de si mesma uma bola que desceu até o asfalto, até os joelhos ralarem ali.

Pepi ficou estático uns segundos observando Lissy ali, completamente indefesa jogada ao asfalto próximo aos seus pés e ainda podia sentir os pulsos dela escorrendo pela sua mão. Agindo como tinha feito da outra vez, ele abaixou-se sem pensar e a abraçou.

Naquele momento confuso, Lissy notou que estava cansada de ser forte. De lutar uma batalha eterna contra todos ao redor. Uma batalha que não chegava ao fim nem após o armistício, porque, na verdade, ela lutava contra si mesma. Contra a vontade de chorar, de ser fraca, a necessidade de algo ou alguém pra lhe proteger, que não ela mesma.

A solidão de não ter ninguém ao lado além de si mesmo lhe atingiu como um cruzado de direita e ela nada pudessem fazer senão esperar o fim da contagem, o anunciou do seu último nocaute da vida, lhe mostrando que não era tão forte assim.

Sim, esse era um bom jeito de acabar tudo aquilo.
Rendendo-se aos inimigos - ou seria o único inimigo, a vida em si? -, como à vida costuma fazer.

Riu-se tristonha balançando mais um pouco sobre o balanço no quintal de casa, de onde não saiu senão em pensamento, enquanto tentava acender o cigarro que era a única iluminação ali e ouviu Woddy Allen citar em sua cabeça que a vida teria sido melhor se Deus tivesse um orçamento e roteiristas melhores. Depois, recordou que a vida costuma ser mais interessante quando o script ela mesma fez, dentro dos seus pensamentos, como agora.

E sentou-se encolhida um pouco mais, constatando que na maioria das vezes as pessoas não voltam pra concertar os erros do passado. Elas chamam isso de seguir em frente. Talvez, crescer seja ter a oportunidade que não errar tanto quanto antes. Ou talvez, crescer seja simplesmente aprender a ignorar a importância que si dá aos erros dos outros.

Acendeu finalmente o cigarro, apagou o isqueiro, tragou longamente e voltou a escuridão confortável de dentro das pálpebras que balançavam junto com a copa das árvores do vento do outono que levava tudo, exceto as dores que não saram depois que se cresce. 

8 comentários:

  1. "Talvez, crescer seja ter a oportunidade que não errar tanto quanto antes. Ou talvez, crescer seja simplesmente aprender a ignorar a importância que si dá aos erros dos outros." Amei, amei, amei. Nem precisa falar que está perfeito né Ilzy?

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    1. kkk Muito obrigada, Karine ;D aliás, te vejo sempre comentando, muito obrigada por isso tbm viu? ;D

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  2. Perfeito como sempre.
    E adotei-o como meu presente, já que foi postado no dia do meu aniversário e autorizado pela própria Ilzy. Fiquei muito feliz (acho que percebeu pelas tantas divulgações pelas redes sociais), viu lindona?! *-*

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    1. Eu vi! Muita honra saber que minhas simples palavras alegram ainda mais teu dia! obrigada, sweety ;D

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  3. Adorei como você brincou com o rumo da história, revelando um outro tom no enredo para quem ansiava pela continuação. Única parte previsível foi que era o Giuseppe quem seguia Lisbeth, mas toda a história foi bem elaborada, desde o cenário ao desenrolar da narrativa.

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  4. Mistério! Gostei muito, Ilzy! Mas eu sou suspeita pra falar, hhahaha!
    Lissy parece quebrada por dentro e se render aos inimigos nao foi nada mais que abrir os olhos!

    Um beijo minha linda! Parabéns mais uma vez!

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  5. fizeste me chorar eu tambem adoro escrever..... identifiquei me com a historia.....parabens muito bem elaborado....
    um beijos e parabens....certa forma aconselhaste me.....

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  6. Um final totalmente diferente do que eu imaginava. Ficou legal, mas não gostei muito. rs

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