Leia Hoje: Ensaio sobre a cegueira - José Saramago

22 maio 2016 / Tags: , , , , , ,


FICHA TÉCNICATÍTULO: Ensaio sobre a cegueira | AUTOR: José Saramago | EDITORA: Companhia das Letras | PÁGINAS: 310

E se você ficasse cego nesse instante?
É, vamos lá, tente.

Quais seriam as suas maiores dificuldades? E desafios? Você poderia causar algum acidente agora? O que deixaria cair no chão? Quem choraria ao vê-lo tateando pelos cantos tentando encontrar para onde ir? E, especialmente, você estaria preparado para viver sem o auxílio dos seus olhos?

Agora imagine se todo mundo do país inteiro ficasse cego.

Mas, não de uma cegueira qualquer. Uma cegueira branca. Como quando estamos numa rua escura e olhamos diretamente pra a luz de um farol e ficamos cegos por um tempo. Imagine que aquela cegueira virasse rotina e que todas as pessoas a partir de agora não pudessem ver nada além de uma imensidão branca.

Desesperador, não acha?



Foi o que sentiu o primeiro cego quando estava no trânsito e de repente não podia mais ver. As pessoas não sabiam como ajudá-lo ou o que fazer, afinal, a cegueira só nos afeta quando estamos próximos a ela.
Então, ele fez o que todos nós faríamos. Foi ao médico. Mas, o médico também não sabia o que fazer e, gradualmente, várias e várias pessoas começaram a cegar e não saber o que fazer.

Inclusive o médico, o homem que ajudou o primeiro cego, a mulher do primeiro cego, a moça com conjuntivite, o rapazinho estrábico, o velho com a venda. Todas estas pessoas sem nome são enviadas pelo governo para um antigo manicômio e precisam construí ali um novo jeito de viver sem realmente consegui se virar sozinhos enquanto o governo descobre o que fazer em relação a isso.

E enquanto eles descobrem, eu e você vamos aprendendo sobre a escrita do genial Saramago, sobre como dependemos de coisas pequenas para viver e especialmente: será mesmo se já não estamos todos cegos?


EXPERIÊNCIA DE LEITURA

Já aviso de imediato que, se você ainda não leu esse livro, você deveria parar agora e lê-lo. Primeiro, porque essa é possivelmente uma das melhores coisas que você vai ler na vida; segundo, porque  é a metáfora perfeita para entender a nossa sociedade e, terceiro, porque eu provavelmente não vou conseguir comentar esse livro sem deixar escapar um ou outro spoiler.

Mas, eu preciso tanto conversar sobre ele!

Confesso que demorei bem mais tempo do que deveria para finalmente tirá-lo da minha estante porque vários aspectos me assustavam sobre ele. O fato do autor não usar a pontuação de um jeito usual, o fato de não ser o meu tipo de leitura mais comum e especialmente o português de Portugal em sua linguagem mais complicada: a poética-literária.

Mas, uma das melhores coisas que fiz foi sentir saudades de Portugal e finalmente decidi superar tudo isso e ler esse livro esplendido. Aliás, me faltam adjetivos pra descrever a genialidade que esse livro representa. Assim como sobram motivos para indicá-lo por aqui.

O que mais encanta nesse livro, além obvio da premissa arrebatadora, é o modo como vamos percebendo através do narrador como as sociedades humanas se organizaram em função do sentido da visão. A imensa maioria das coisas depende intrinsecamente de como vemos as coisas e se sabemos para onde olhar e isto significa dizer que a sociedade entraria em lapso caso perdêssemos o sentido mais fundamental ao homem moderno: a visão.



Saramago também apresenta personagens incríveis e não dá nome a nenhum deles, nos fazendo perceber logo de início que não é preciso nomes, que alguns valores logo se perdem quando o primordial é retirado da vida comum. De que adianta seu nome se não existe comida ou água potável? Pouco a pouco o narrador desconstrói conceitos e mostra como dependemos de coisas mínimas que não teriam a importância que tem, caso nós não atribuíssemos essa importância a elas.

Na minha visão, a peça chave do livro é entender o que era a cegueira branca representa. Acredito que os cegos não ficam cegos, mas percebem a cegueira que vivem e se desesperam ao encará-la de frente. Todos nós escolhemos algum tipo de cegueira ao longo da vida: é conveniente não discutir política, economia ou religião, mas quando vemos o resultado dessa não-discussão traduzida em absurdos como corrupção, crise ou homens-bomba, percebemos que a não-discussão só piora as coisas.  

A mulher do médico é a única personagem que consegue ver em meio ao caos e através dos olhos dela vemos o que os homens se tornam quando são incapazes de viver na sociedade que estão acostumados. Ver as escolhas dela, como ser bondosa e ajudar os outros, às vezes pensando mais neles que nela mesma, pode ser a salvação de muitos dos que dependem dela. Vemos claramente que a bondade de quem vê ajudando os que não veem é libertadora e essencial.

Elevando um problema como a escolha por não ver algo ao extremo, Saramago trás a tona um livro libertador, impactante e essencial na estante de todos os leitores que desejam ler para libertar-se. Recomendo para absolutamente qualquer pessoa que tenha estômago para ver o pior do ser humano, mas também que tenha a sensibilidade de ver o que existe de bom em meio ao caos. A edição é impecável e o prêmio Nobel que estampa na capa não poderia ser mais merecido. Meu conselho é que você leia esse livro ainda hoje. Aproveite!

2 comentários:

  1. nunca li o livro, mas vi o filme e é muito bom, é arrepiante e muito tenso, tenho vontade de lê-lo também =D

    http://thatgingergirl.com.br

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  2. Que livro! Não sabia que era tão bom assim :)
    Ótima resenha...

    www.chaeamor.com

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