Pequeno Inventário da Vida Contemporanea

28 setembro 2012 /



Love is a Laserquest - Arctic Monkeys

Embora lentamente - o que não era o usual - galgava dois degraus a cada nova passada naquela escada que após um dia de trabalho sempre parecia sofrer mitose em seus degraus. Parou subitamente sentindo um novo peso, bem além daquele que geralmente tinha nesse momento de volta para casa, olhou por um minuto a espiral que eles, os degraus, formavam logo abaixo e sentiu náuseas. Não quis arriscar novamente. Voltou ao galgar. 

Um calor estranho percorreu todo o corpo, uma espécie de agonia que ela converteu em força, usando-a para terminar os degraus. Chegou à porta do seu pequeno apartamento que ficava no canto mais escondido de todos, atrás de uma coluna, numa parte que recuava a parede atrás da coluna. Ninguém imagina que ali vivia alguém. Mas (sobre)vivia. 

Colocou a mão num dos bolsos da bolsa grande que levava e retirou as chaves. 
Colocou. Girou. Entrou. 
Respirou fundo. 

O coração parecia a salvo agora, ali escondida em seu próprio pedaço do mundo, embora não totalmente seu, já que o aluguel precisava ser pago todo mês. Pensou novamente no aluguel e contorceu-se.  

No segundo após fechar a porta, tratou de tirar os saltos, assim meio que como um espartano cansado que livra-se da armadura no fim da guerra. Os saltos eram a sua armadura, a bolsa sua espada, aquela era sua guerra e ela a havia perdido. 

Colocou um a um os pés descalços no chão. Onde os sapatos apertavam haviam deixado os pés meio enrugados, meio mortos. Ela observou sem jeito seus pés feios. Sentiu náuseas novamente. Resolveu não arriscar olhar pra baixo nenhuma outra vez. 

Depois livrou-se da blusa, do jeans e por fim dos sutiãs. A melhor parte era livrar-se dos sutiãs. Deixar-se livre deles era como deixar-se livre do mundo lá fora onde se precisa usá-los não-sabe-se-ao-certo-porque. Talvez pra esconder o desejo de quando eles desejam ser tocado pela mão grossa do advogado mais velho que entrega os documentos todos os dias para o seu chefe... 

Ah, o seu chefe... 

Aquele porco burocrata que sequer sabia dizer bom dia. Ex-chefe, ela fez questão de assinalar em pensamento. Um meio riso veio-lhe até a garganta, mas não passou dali. Um pequena gota de suor escorreu-lhe por entre os seios pequenos.  Ela parou de prender o cabelo no auto da cabeça quando recordou. Segurou suas mãos ali em cima. 

Ex-chefe. 
Ex-emprego. 
Parecia tudo muito irreal. 

Justo ela que ficou conhecida como a mais dedicada de todas as secretárias daquele prédio enorme onde funcionava aquela repartição pública. Justo ela, a mais educada e sorrindente das secretárias. Aquela que jamais soltou uma piada indevida, usou decotes ou bebeu e tirou a blusa nas festas. Justo ela, que se encaixava tão bem, mas tão bem que todos sabiam que escondia um terrível desgosto por trabalhar ali.

Soltou os cabelos e caminhou lentamente até a cozinha. Conseguiu achar uma garrafa de vinho barato que havia comprado não-lembrava-mais-pra-que. Talvez pra uma ocasião especial. Não era o caso desta, mas ela o abriu e serviu-se uma taça mesmo assim. 

Recordou que mais de uma vez pensou em pedir demissão e (bem) mais de uma vez lembrou que precisava do dinheiro, que embora fosse pouco, era necessário. Necessário para pagar o pequeno luxo de comer sushi toda semana após o cinema. Necessário para pagar o pequeno luxo de comprar uma nova saia de couro sintético, o novo corte de cabelo ou sapatos novos que apertariam seus pés até os fazer parecerem mais feios que o usual. Recordou, por fim, que se queria pequenos luxos, precisava fazer grandes sacrifícios. Era a lógica da vida pós-moderna.

Terminou o que restava de conteúdo da primeira taça num só gole. Pensou nos pequenos luxos por mais três taças completas e de tanto pensar em seus pequenos luxos, acabou imaginando que poderia ficar sem eles por um tempo, se conseguisse achar outro emprego, num outro lugar onde os homens não olhassem descaradamente sua bunda quando ela levantava pra tomar água ou tirar xerox. Um local onde as pessoas fossem mais sutis, mais educadas e dessem bom dia, mesmo que o dia estivesse uma merda total. 

Ela só não esperava ser convidada gentilmente a procurar esse novo lugar tão cedo.

A agonia voltou a apertar seu coração e aos poucos foi lhe tomando as forças. Primeiro das pernas, depois dos braços, depois dos olhos. Concentrou-se ali nos olhos que não muito depois derreteram num choro seco de apenas três lágrimas. O sofá parecia engoli-la, a taça poderia cair a qualquer momento.

Logo ela abandonou a taça e começou a beber no gargalo mesmo.

Ela pensou como lidaria com aquela sensação de fracasso que insistia em lhe atormentar desde que o chefe sorrindo amarelo lhe explicou que ela era a melhor assistente que ele já teve, mas que os custos da repartição seriam cortados e que ela fazia parte do seleto grupo escolhido para manter o órgão em funcionamento, deixando seus salários para isso. 

Pensou que estava fazendo exatamente como quando algum cara por quem havia se apaixonado a deixava. Ela tomaria um porre grande de vinho, dançava e cantava trancada sozinha no seu quarto, caia na cama, choraria por algumas horas e depois dormiria. No outro dia a ressaca era tão grande que acabava abafando a dor que era ter sido largada. 

Só que dessa vez o caso não era de amor.
Era um desses que os tantos romances que lera não ensinavam a lidar.

Sentindo-se tomada por toda aquela agonia, por toda aquela inutilidade, por toda a pressão de estar desolada, de não ter ninguém pra quem ligar pra chorar no ombro, já que todos os poucos amigos que tinha haviam se mudado em busca de oportunidades melhores... E de repente viu no horizonte mais de um milhão de possibilidades: um novo emprego, uma nova cidade, novos amigos...

Tive medo de todas elas. Arrastou-se até seu quarto, deixando a garrafa na mesinha de centro. Deixou cair entre as cobertas da pequena cama. As possibilidades continuaram a povoar seus pensamentos. Ela encolheu as pernas e as abraçou. As sombras da noite tomaram de conta do quarto aos pouquinhos, caminhando até engoli-lo por completo com sua escuridão. Ela também deixou-se engolir por ela. 

Pelo mundo. 
Pelo fracasso.
Pelo medo de algo melhor. 

Pela primeira na vida dormiu sem saber exatamente como seria deixar o despertador tocar, porque não havia compromissos, não havia agenda, não avisa nada. 

...
Nota da Autora: Caramba, quanto tempo que eu não posto aqui! Peço mil e um perdões por isso meus queridos leitores, mas é que eu precisei tirar esse tempinho pra descansar um pouco a mente dos ultimos dois anos de produção constante. Voltei meio enferrujada mas espero voltar logo ao ritmo de antes. Desculpem mais uma vez pela demora e por favor não esqueçam de comentar, é muito importante pra mim. Beijão! 


26 comentários:

  1. Nossa! Adorei seu conto. Você escreve muuuito bem mesmo.
    Já passei por aqui muitas vezes e já li vários contos seus, gostei de todos de li, mas nunca havia comentado antes.
    Você tem o dom de escrever beeem. Beijoos *-*

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    1. Muuuito obrigada *-* Ainda bem que resolveu comentar agora, continua fazendo isso pra eu saber se você continua gostando ok? Beijão!

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  2. Amei o conto. Deixou aquela interrogação no ar, que eu amo. E ah, fui ouvir a música e ela acabou de tocar na hora em que terminei de ler o conto! Timing perfeito, hahaha.

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    1. Sério? No timing? haha legal! Muito obrigada, Ingrid, você é sempre muito fofa aqui ♥

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  3. Ilzy, parece que você não ficou três meses sem postar aqui. Sério! Você continua escrevendo os seus contos maravilhosamente e este é tão incrível quanto todos os outros. Assim como a Ingrid disse deixou aquela interrogação no ar que eu amo. Esse toque nos seus contos que eu amo, você poder imaginar qual será o fim do conto, pois esse ponto de interrogação no ar, nos dá a oportunidade de escolher que fim nos queremos que a personagem tenha.
    Ilzy, você tem o dom escrever. Continua escrevendo sempre, tá?
    Beijos (:

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    1. Cara, eu simplesmente amo quando essa nossa sintonia funciona bem e vocês entendem exatamente aquilo que eu queria dizer. Sério, é incrivel! Muito obrigada, Karine! ♥

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  4. Amei o conto! Como sempre você não me decepciona! Muito sucesso Ilzy, e não deixe de escrever por favor, bjs @AmandaWestwick

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    1. Muito obrigada, Mandinha *-* pode deixar, se depois de 3 meses eu mesmo assim voltei, é porque eu nunca vou consegui largar xD ♥

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  5. A sensação melhora a cada conto. Um suspense, uma vontade de saber logo o que aconteceu mas temendo que acabe logo, e pedindo baixinho pra durar um pouquinho mais!! eita Ilzy, te prepara, o sucesso vem à passos lentos!! Xeroooo!

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    1. Tão bom despertar isso nas pessoas, Rick, tu nem sabe o quanto (ou talvez sabe xD). Hahaha muito obrigada, meu amor ♥

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  6. Posso ser sincera? (já sendo), não foi o melhor dos que tu já escreveu, mesmo sendo bom e eu gostando, mas essa é só minha humilde opinião.

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    1. Aham, Amanda, eu concordo contigo. Por isso coloquei que estou meio enferrujada lá no finalzinho do post. Mas, agora que já sei que consigo pelo menos manter o ritmo e ter histórias, vou continuar trabalhando pra continuar no nivel (ou superior) ao dos melhores contos. Obrigada pela sincerridade ;D

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    2. Sempre em frente ;) Sabe que eu adoro teu blog, né? Beijo

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    3. Sempre Mandinha, sempre. E tu sabe que eu acho isso uma honra não é? ♥
      Beijão!

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  7. Ilze sua linda! *____*
    Seus contos continuam maravilhosos, não vi nada soltando ferrugem!
    Estava com saudades dessa imersão deliciosa que seus contos me propiciam!

    Beijão!

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    1. Ainda bem, Bia! Eu vi um pouquinho soltando dos meus dedos enquanto estava escrevendo. Espero que tudo já tenha se soltado e eu volte ao normal, ou ao melhor que ele.

      Beijão!

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  8. Ah, ilzy, é o seguinte, todo mundo tem suas fases, e gostar de um escritor é como gostar de uma banda, você não tem que AMAR todos os álbuns (ou no caso, estórias) mas tem que apreciar o conjunto como um todo. Arrisco uns contos de vez enquanto e as vezes eles simplesmente não saem como eu realmente queria, acho que foi o que aconteceu como você e esse conto(não por não ter gostado, mas por comentários seus nas redes sociais) Eu particularmente gostei muito do texto, assim como de todos os outros e fiquei muito feliz por você voltar a ativa, não aguentava mais esperar!
    Adorei o conto e me despertou uma sensação incrível; continue enchendo meus olhos e meu coração com suas palavras doces. Amo seu trabalho. Sucesso!

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    1. O que mais me alegra sobre os meus leitoras é que eles comungam em sua maioria com estes teus pensamentos, Sarinha. Tenho muita sorte de ter vocês comigo e não canso de agradecer nunca. Muito obrigada, desculpa essa demora e, novamente, obrigada por me deixar tocar-te o coração.

      Beijão!

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  9. Seja bem vinda de volta Ilzy. Você não imagina o quanto senti sua falta. Bom seria ler um conto seu todo dia.
    Acredito que esse esteja longe de ser seu melhor conto, mas sinceramente? Três meses sem escrever não fazem muita diferença no dom maravilhoso que você tem.

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    1. Oi Angel, eu tbm tava morrendo de saudades de vocês e de tudo isso aqui *-*
      Eu acho assim, esse pode não ser meu melhor conto, mas ele conta algo bonito (ou triste, talvez) também, igual os outros. O importante é isso.

      Muito obrigada pelo carinho, sério ♥
      Beijão!

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  10. quanto tempo!
    ilzy, pode não ter sido um dos seus melhores, mas significou muito pra mim. é assim que eu me sinto quando deito na cama todo dia... é um pouco estranho, mas, ao mesmo tempo, consolador por ver que alguém também sente o mesmo vazio estranho... o mesmo medo.
    bem-vinda de volta (?)! vê se não some mais!! :* qualquer hora dá uma passada lá no meu, linda! beijão

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  11. Oi, Ilzy!

    Que ótimo saber que está voltando ^~

    Muitíssimo obrigada por me avisar - tive problemas com o pc e só agora estou conseguindo voltar também o/

    E seus contos cada vez mais apaixonantes... *.*

    Mega PANDAS FOFOS para vc, querida!

    Illy

    Illyana HimuraWakai
    illyana.himura@gmail.com
    @IllychanHimuraW

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  12. É o primeiro conto seu que eu li. Gostei bastante. Você escreve super bem. Parabéns! :D

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  13. Achei por acaso o blog e dei de cara com esse texto, achei tão gostoso de ler, meio que dá para sentir as emoções da personagem e a gente imagina cada linha, realmente todo mundo tem seus dias ruins, coitada dela (desgraça pouca é bobagem) kkk. Ela poderia arriscar sem medo de viver em outro ambiente, conhecendo outras pessoas . . . Torcendo por ela.

    http://fazdecontatxt.blogspot.com.br

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  14. Nossa ! quanto tempo eu não venho aqui, mas é tão bom por que me deparei com um belo conto, expressivo, cheio de emoções, rico em detalhes, é dificil dizer qual é o melhor por que acho todos belos e sua maneira de escrever é tão simplória e ao mesmo tempo tão rica e por que não dizer tão luxuosa rs.
    O que mais gosto são os detalhes no qual a cada linha vai se tornando tão real que chega parecer que eu sou a personagem. O ambiente a pessoa vai se formando na cabeça... Me sinto totalmente a vontade quando estou lendo seu blog...

    Banstante tempo que não comento, mas como você colocou na nota, é muito importante para você saber, então eu semprei achei e continuo achando seu blog lindo, seus contos perfeitos e acho você uma fofa por que responde aos seus leitores, acho legal o seu carinho conosco, você realmente se importa e assim nos sentimos convidados a voltar sempre =D
    De jeito nenhum pareceu que você estava enferrujada, eu parei de escrever, mas fico feliz de voltar aqui e ver que você está crescendo cada vez mais, talvez eu não volte a escrever acho que é uma fase, ainda não sei...kkkkkk
    Mas é tão bom saber que o dom de escrever ainda continua vivo em você, por que realmente esse é o seu dom eu torço muito pelo seu sucesso, eu ainda espero com muita fé o seu livro *--* Você despertar a vontade de leitura, você é uma inspiração. Matei as saudades e vou lê os outros contos que ainda não li, mas aqui fica os meus comentários sobre eles "Antes mesmo de ler tenho certeza que vou ter apenas o que elogiar"
    O Meu último que li foi "Onde o Céu confundiu-se com o Mar" e ainda lembro *-*
    Mil beijos, sucesso =*

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  15. Esse conto é um dos meus preferidos, já li ele umas duas vezes ;p
    Você escreve muito bem, Parabéns!

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