Tudo que você precisa é ouvir a música certa

17 setembro 2011 /


Esse conto foi escrito para a matéria de LPT I, da professora Jennyfer Mesquita. 
Então, professora, se for a senhora, saiba que é meu mesmo, 
só que publiquei aqui antes de lhe entregar ;D

Pra ouvir: This is your life - The Killers 
de preferência a versão do Day & Age live in the Apolo Royal, 
porque foi esse show a inspiração pro conto.


Um cartaz de mil dúvidas, de mil desejos. Uma vontade imensa de estar perto de quem tem tanto talento para agraciar quem realmente aprecia o que é bom. Era engraçado olhar nos olhos do seu músico preferido sem conseguir parar de sorrir, mesmo que fosse apenas uma copia da foto que estava por todo lugar. Coisa de fã, você deve entender...

A questão agora era o dinheiro. Colocou fundo as mãos dentro dos bolsos e sentiu apenas o tecido grosso do jeans. Não havia nada ali, nem em qualquer outro lugar, muito menos sobrando nas contas apertadas da mãe. Namorou por mais alguns minutos o cartaz enquanto seus pés dançavam para cima e para baixo e músicas pareciam correr entre seus neurônios, aumentando ainda mais aquela vontade de poder cantar alto e sair dançando pela rua como nos musicais. Patético, eu sei, mas (novamente) coisa de fã. 

Caminhou pelas ruas tortas da cidade grande que não era sua (ou pelo menos pensava assim, fosse qual fosse o lugar), chegou a casa e tirou os sapatos com os pés, retirou também os fones: era melhor não provocar. Mas, assim que colocou as chaves no porta casacos como era seu (mau) costume, sentiu um perfume diferente vindo da cozinha: vinho tinto. Isso só poderia significar uma coisa.

Seus pés correram apressados, enquanto um sorriso se formava em seu rosto cheio de incerteza e o medo da decepção palpitava forte o coração. Seria ele mesmo? Só podia ser... Mas, porque ele estaria aqui? Voltará pra ficar?

E ele estava lá, com uma taça em suas mãos grossas e sua voz grave ria de algo que mamãe havia feito ou falado. Não se conteve e correu até lá, ele riu mais alto derramando um pouco de vinho no chão, retirando assim um xingamento da boca da mamãe. Ele ainda tinha o mesmo cheiro de fumaça de motor, cigarros, bebidas e sabonete.

Como sempre, ele não veio de mãos vazias (ele sempre tentava compensar a sua ausência com um presente, não costumava funcionar), mas dessa vez havia acertado em cheio. Dois ingressos pousavam sobre o balcão de mármore da cozinha e uma felicidade sem tamanho escalou e pousou em cada um dos ombros do filho.

Combinaram tudo para que no dia certo não houvesse erros. A preparação durou todas as próximas 24 horas e muitos treinos de frente ao espelho de suas músicas preferidas. Estava tudo pronto, só restava esperar o dia do show. Era hora de ir. Hora da tão esperada ida.

Quando o viu novamente, só conseguiu pensar que o pai era um daqueles velhos roqueiros que parecem nunca envelhecer, apenas acumulam mais histórias pra contar entre fogueiras, cigarros, motos e sorrisos. Mas as rugas já o denunciavam. Não é a toa que ele tinha ido embora, ele não se encaixava em lugar nenhum, mito menos ali. Talvez fosse genético, então.

E veio a fila quilométrica. 
O empurra-empurra.
A presa de chegar o mais próximo possível do palco.
Coisa de show, coisa de fã.

Se me permitem roubar duas frases (essa e a próxima) de Markus Zusak: A multidão fez o que fazem as multidões, mas aquela parecia mais viva que as outras. Todos ali se fundiam num só organismo, misturados através do som alto, da animação, do cantar em uma só voz. O vocalista e toda a banda riram daquela participação tão bela quando entrou ao palco do estádio e sentiu a vibração em todo lugar. Ele sorriu por todo o show. Todos sorriam com ele. O pai, o filho, a multidão e a música. Talvez até o estádio.

E então acabou. 

A gente sempre sabe quando acaba, porque as músicas parecem se despedir, parecem soar mais baixas e então anunciam o fim. Eles agradeceram e a multidão urrou de emoção. Novamente o empurra-empurra, mas calmo e lento dessa vez: ninguém queria acreditar que já era hora de ir pra casa.

O pai e o filho caminhavam pelas ruas à tardinha, quando as luzes amarelas do postes começam a acender e as pessoas procuram a comida da geladeira pra esquentar. A fome das seis da tarde, o sol das seis da tarde. O filho olhou para o pai e sorriu. Ele percebeu, olhou-o e também sorriu. Engraçado como diziam tudo sem precisar falar. Então, o pai deixou-o na esquina da casa onde costumavam viver. 

- Venha mais vezes, papai - disse baixinho enquanto olhava-o partir denovo, mas sabia que ele havia escutado. Restou somente a dor do fim, a espera da volta, o vazio do desejo de ficar e um sono leve sem sonhos depois disso. 


Daddy, [...] This little town, this little house,
They seem to be leaning in the wrong direction.
[...] I'm not afraid of you no more.

- Brandon Flowers (Killers' vocal) in Playing with fire

4 comentários:

  1. é uma emoção indescritível mesmo, imagina se for com o seu pai! haha adorei ilzy

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  2. Conto belissimo Ilzy! Nos transmite sentimentos, emoções, e milhares de lembranças.
    Tu escreves super bem e sempre tem alguma frase, algum trecho ou ate mesmo um conto inteiro com que eu me identifique. Realmente tu és brilhante.
    E adoro todos os seus contos! Lembro-me muito do jeito como o Caio Abreu escreve em algumas passagens.
    Parabéns guria!

    Beijos e até a próxima!

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  3. Seus textos são tão vivos e cheios de emoção, com a música entao.. haha Dá pra quase sentir a alegria de ver o pai distante e o orgulho da fama dele. Lindo *-*

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  4. Ir num show do seu artista favorito é um sonho. Ir acompanhado de uma pessoa que gosta é melhor ainda. Lindo conto! :)

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