Voyeur

21 março 2011 / Tags: , , ,


Sabe, eu nunca fui do tipo de pessoa que acredita em destino. Não faço idéia do que diz o meu ou o seu signo, não entendo como possa existir uma força mágica que guia nosso caminho ou que tudo já está certo para acontecer. Simplesmente não entra na minha cabeça que minha vida seja um livro já escrito e que eu não seja sua (legitima) autora. 

Acredito que a única coisa que pode interferir no rumo da minha vida são as minhas escolhas. E acredite, eu tomo uma atitude diferente à todo instante. Meu pensamento voa com facilidade e não consigo me prender à nada que não seja genuinamente interessante. Ou pelo menos divertido. Meus sentimentos borbulham dentro do meu corpo e faz do meu sangue seu caminho de temperamentos incertos todo o tempo. E meu vicio em cafeína não me ajuda em nada no controle disso tudo. 

Então, como toda essa minha confusão poderia estar escrita em algum lugar?

Bem, o fato é que (como você também já deve ter constatado) basta pronunciar que não acredita em algo e o universo inteiro parece conspirar para te provar o contrário. Não porque você esteja certo ou errado, mas porque assim as coisas se tornam mais divertidas.

Ah! Você provavelmente deve estar querendo tomar (ou talvez já tenha uma firme posição) sobre essa coisa toda de destino. Quer saber? Eu não dou à mínima. O que é que eu posso fazer, afinal, acerca de tudo isso? Exatamente: n-a-d-a, então porque antecipar minhas rugas com os problemas do mundo? Ele já é bem grandinho, pode resolver seus problemas sem mim. 



Então, prefiro procurar um jeito eficaz de fazer minhas mãos pararem de tremer nesse instante (que não inclua cortar o café) e fazer meu cérebro parar com essas confabulações tolas, do contrário eu provavelmente acabarei como essas narradoras que parecem dizer aquilo que estamos pensando. Eu não sei você, mas não gosto de ninguém escrevendo meus pensamentos por aí...

A algumas quadras daquela parada de ônibus ali em frente fica a minha universidade. É um campus enorme e eu creio profundamente que a construtora tenha algum convênio com uma floricultura. O lugar é tão verde que, se eu não fizesse ciência da computação, poderia jurar que havia sido mandada pra uma fazenda.

Aliás, isso te faz me julgar, não é? 

O que diabos uma garota que fala pelos cotovelos estaria fazendo em uma área tão cheia de monotonia? Bem, o fato é que o único curso que poderia suprir meus vícios(computador e café o dia inteiro) e eu sempre fui meio apaixonada por números. Não, eu não sou boa com eles, mas sempre me esforcei muito para não os deixá-los vencer. Tenho ganhado desde então. 

E, é, eu estou lá. E sim, tem uns nerds bem estranhos na minha turma (que tem a incrível cota de treze alunos, sendo eu a única do sexo feminino). E sim, eles são parecidos com aquele cara do filme do Oscar, como era mesmo o nome? Ah sim, 'A Rede Social'. Mas nenhum deles é tão bonitinho como aquele lá não. 

No geral eles são uns nerds tapados mesmo, com seus óculos, seus jogos online e seus programas querendo me impressionar, já que eu sou - provavelmente - a única garota com quem eles têm contato direto todos os dias, além das próprias mães. OK, OK... Eles são caras legais e me convidam pra jogar RPG de tabuleiro ou xadrez com eles mesmo sabendo que vão perder... Só não fazem o meu tipo, entende?

Bem, a melhor parte sobre o meu curso são os horários. Sinto-me orgulhosa em poder dizer que nunca peguei um ônibus lotado, mesmo após esses quase dois anos de curso. Sempre pego a condução antes do horário de pico, ou a de depois dele. O que me dá um enorme alívio.

Eu não sou fã de que estranhos me toquem. Não sei porquê, é só repugnante pra mim, entende? Não sei se pelo fato de morar com a minha mãe ‘agora-não-querida-estou-no-telefone' ou com o meu irmão que provavelmente pensa que sou apenas alguém quem consegue reviver o PC dele. Mas, o fato é: se eu não te conheço, não me toque. O mesmo vale para os conhecidos... Sim, isso foi uma indireta pra você. Não é porque eu te deixei vir comigo que você pode sair me tocando, ok? 

Agora faça o favor de manter seu cotovelo longe do meu. Obrigada.

É chegamos. Agora? Agora eu fico aqui, subindo e descendo nos meus próprios calcanhares enquanto espero meu ônibus passar. Tá vendo aquela velhinha ali? Com o cachorro? Ela fica sempre por aqui, todos os dias, vendendo esses doces. Eu já comprei alguns, mas hoje não tenho nada nos bolsos. Ela sorri de um jeito bonito, eu costumo comprar muito mais o sorriso que as balas... 

E também porque quero alguma companhia. Essa parada aqui é um tanto estranha, sabe? Fica de costas para um dos rios que corta a cidade. Há um cais aqui nas suas costas. Uma decida de cimento e pedras que vai acabar dando na água do rio. É, nós vamos esperar aqui.

Olha... Eu sei que tenho sido meio rude durante todo o caminho. Sério, eu não sou assim o tempo todo. É só que... Esse momento aqui... É estranho pra mim. Por quê? Você não está ouvindo? Aham, essa música. The Smiths. Minha banda preferida. Aham, está vindo do cais. Quem está tocando? Como eu ia saber...?

OK, OK... Eu conto, mas pare de me olhar assim. Há... Um cara. Ele senta ali todos os dias com um violão e não, eu não estou corando! Quer saber ou não? Eu nunca cheguei a ver o rosto dele... Só sei que ele tem uma nuca linda, cabelos negros lisos e os ombros largos. Eu adoro ombros largos, já mencionei? 

Bem, algumas vezes eu sento por lá, pra esperar meu ônibus. Não... Ele nunca falou comigo. E quer saber, eu tenho a impressão que ele sequer nota minha presença lá. As vezes, o cachorro da senhora dos doces vai até lá e ele fica o acariciando. É bonito de se ver...

O quê?! Enlouqueceu?! Claro que eu não vou lá falar com ele. Primeiro, o que eu diria? Tenho certeza que ele já me notou, se ele nunca falou comigo é porque não está a fim de papo. Você acha mesmo que ele é tímido? Porque olha... Parando pra pensar ele tem jeito mesmo... Ah! Olha o que você me fez fazer, arruinei minha unha! 

Quer saber? Deixa esse cara pra lá. Olha, nosso ônibus chegou. Vamos sair logo daqui. 

Hãm? Se eu estou curiosa? É claro que estou. Oi Cobrador, qual o roubo de hoje? Pronto, aqui está. Vamos sentar nas cadeiras mais altas... E, é, eu sei que eu posso estar perdendo uma ótima oportunidade, ele pode ser o amor da minha vida blábláblá, mas você precisa me entender: todos os dias, ele, aquela senhora e aquele cachorro são minha única companhia. Alterar qualquer parte desse cenário torna as coisas mais difíceis do que elas já são.

E se ele tiver uma voz feia? Ou for um babaca? Ou nem sequer conhecer The Smiths, só seja uma música que ele ache fácil de tocar...? Eu já construi um ele de que eu gosto muito aqui na minha cabeça e nós conversamos todos os dias em meus pensamentos, não vou o deixar destruir isso de alguma forma. É, eu sou voyeur. Não aquele sujo, o literário. Acho que esse é o único jeito de amar sinceramente.  

Bem... Eu desço aqui.
Há propósito, meu nome é Cherry. É, igual aquela música... Ch-ch-ch-Cherry bomb! 
Er... Obrigada pela companhia hoje. 
E sim, eu aviso se um dia resolver falar com ele. 
Te vejo por aí.

E ela saltou do ônibus.


Você só descerá daqui algumas paradas, não é? 
Eu me sentarei ao seu lado, então. Com licença.
Cherry? Não, você nunca mais a verá.
Mas, eu posso adiantar um pouco do futuro...

Aham, ela falou com ele.
Porque ele nunca havia falado com ela?
Você não sabe?
Aquele é o filho da velhinha dos doces.
Ele é mudo!

Do que eu estou rindo?
É porque a Cherry fez a mesma cara quando soube.
E só entre nós... Ele é bem melhor do que o que ela imaginou.

Sim, eles estão juntos desde então.
E agora ela gosta de ser tocada.
Agora acredita em signos e destino.
Não, ela nunca mais tratou ninguém mal.


Às vezes, tudo que as pessoas precisam é de um pouco de Amor.

18 comentários:

  1. muito bom, gostei muito, mesmo! a idéia de os personagens conversar com agente, fico muito interessante, te prende na leitura. muito bom!
    Parabéns!
    beeijos

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  2. ah, ilzy.
    me matou, por completo.

    está perfeito, como sempre sempre e sempre.

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  3. Espere. O QUE FOI ISSO?

    Garota você acha que é quem pra me matar desse jeito!? Saia desse blog, vá fazer um livro, fique famosa e não se esqueça da minha dedicatória!

    De longe pra mim seu melhor texto!

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  4. Manola, q conto mais PHODA, isso mesmo FODA com PH pq foi mto PHODA !! eu comecei a pensar em 23432423 coisas egocentricas (como vc sabe eu soiu egocentrico) e imaginei q poderia ser algo para mim MuAuaHua jah q eu faço Ciencia da Computação, mas nossa, foi mto melhor.... um final maravilhoso, estou aki parado como se tivesse acabado de receber um "estupefaça" MuauhahAaHU maravilhoso Yazita, esse conto foi foda, jamais imaginaria algo assim, e fazer facul é mais ow menos assim mesmo, vc fica meio distante de tdo e de todos, embora vc podessa encontrar pessoas maravilhosas e conviver com elas e ser bem feliz tbm s2

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  5. voce esta pronta, tem profundidade, sedução e carisma. Adorei tudo que li, me impressionou bastante, abraços!

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  6. Como sempre amei o texto e finais sempre surpeendentes.

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  7. Adorei o texto, me prendeu totalmente do começo ao fim.
    não tirei os olhos da tela um só minuto.
    Dê uma passada no meu blog. Ele é novo e adoraria que desse sua opnião no meu primeiro post.
    Bjo

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  8. Você é boa, garota. Vou recomendar seu blog no Twitter. Sugiro que procure uma editora...

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  9. Seus contos sempre surpreendem, gosto muito. Parabéns!

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  10. Adorei esse seu post,uma leitura gostosa, você é super talentosa... É um presente para mim, segui-lá.

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  11. Olá! Gostei muito do texto. Realmente, os comentários acima são todos pertinentes. Virei te visitar mais vezes... rs

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  12. nooossa adorei seu post!!!
    seguindo, claro!
    Que linda a Cherry!!
    Parabéns você escreve muito bem...
    bjss
    http://emocoesempaginas.blogspot.com/

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  13. Os textos da Ilzy sabe? Pois é... Morrer disso, menina pare já de tuitar se entope de capuccino e vai escrever esse bendito livro #please

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  14. anww, lindo e muito prestativo pra mim, parabéns ilzyy, você ainda vai fazer um sucessão ! *-*

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  15. eu comecei a rir no meio do texto. não sei porque, mas me divirto com narrações assim, do tipo personagens revoltados. e o melhor do texto é que mesmo sendo gigante (adoro seus textos gigantes, não tenho habilidade pra escrever assim hm) ele não ficou nada cansativo *-*. e escrever sobre destino é complexo. a questão de acreditar ou não.
    acho que você se supera a cada texto <3

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  16. iiiiiiiiilzy, sua linda! um dos melhores (achoq falo isso sempre né), adoro quando a pessoa interage com a gente hahahaha, e de uma criatividade e ritmo enormeeeees! parabéns, de verdade. ta perfeito! *-*

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  17. Nossa, ficou um texto maravilhoso e encantador.
    Primeira vez que estou visitando o blog, e estou adorando.
    Abraços :D

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