As palavras que não dizemos no adeus

01 fevereiro 2011 / Tags: , , , , ,



Naquele segundo da manhã o sol brotou devagarzinho entre a mata que ficava no horizonte da fazenda. No mesmo momento, uma borboleta preta com bolinhas laranja pousou sobre uma flor: hora do café da manhã, que também era preparado na cozinha. Não que alguém pudesse entrar lá naquela hora, mas o cheiro de café recém passado denunciava as coisas dentro do local.

Um bocejo cortou o silêncio do começo frio da manhã.

Na varanda uma menina de casaco e shorts curtos jeans colocava a mão na boca e esticava cada músculo ao mesmo tempo. Carregava um edredom em seus ombros e tinha acabado de escovar os dentes e - como era seu costume - esquecido de fazer o mesmo com o cabelo.

As cortinas de renda da biblioteca balançaram com o vento suave vindo de uma janela esquecida aberta no mesmo momento em que ela sentou-se naquela velha namoradeira acochada da varanda. Puxou o edredom para mais perto do corpo e ficou quieta, observando o sol invadir aos poucos todo o mundo.

A única coisa no mundo que tinha certeza naquele momento era do nascer do sol, afinal, ele sempre vem. O ensino médio havia acabado semana passada e toda a sua turma estava hospedada naquela fazenda-hotel. Era o local mais bonito que ela já havia ido e nem parecia ficar a apenas alguns quilômetros da cidade. Dava pra ver algumas das luzes da cidade ainda acessa de uma inclinação da colina ali perto.

Outro bocejo cortou a noite, seguido de um bom dia.

Os olhos castanhos dela correram para o local. É claro que ele estava ali parado com o quadril recostado na porta e os braços cruzados sobre o peitoral. Os ombros largos pareciam cansados, mas ele sorria levemente.

– Mania de madrugar ou o galo também te acordou? – Nenhum galo havia cantado até aquele momento. – Primeira opção; ela respondeu sorrindo, abrindo o edredom e batendo do lado da namoradeira onde estava, um convite silencioso para ele juntar-se a ela. Ele foi até lá, mas não se sentou. As invés disso, pegou o pulso dela e forçou-a a levantar. – Vem comigo...

Ele soltou o pulso no momento que ela levantou, colocou as mãos nos bolsos e ponderou aquilo enquanto caminhava pela estradinha de barro com seus sapatos se misturando ao ambiente. Ela deixou o edredom na namoradeira e limitou-se a caminhar um pouco atrás dele, observando o chão.

Cada passo que eles davam parecia um convite para uma lembrança do ano. Todos os dias desde que se conheceram passaram diante dos seus olhos naquele momento sem que um soubesse do pensamento do outro. Ela podia ver claramente a mão dele estendia para ela no dia que disseram seus nomes um para o outro, assim como ele podia sentir o calor do corpo dela lançado num abraço ao seu pescoço.

Perto da fazenda, havia uma colina inclinada para a cidade.  A relva era deixada crescer há vontade por ali. Ele sentou-se no chão, assim que estavam num local que lhe pareceu apropriado. Ela o imitou, mantendo certa distância.

Os dois observaram as poucas luzes à frente e o sol continuar sua lenta jornada à iluminação total do dia. Por alguns segundos, ela o observou. Ele também não havia penteado o cabelo e a camisa estava amassada. O perfume dele alcançava o nariz dela mesmo naquela distancia. Tinha um aroma doce e forte misturado ao aroma natural dele. Dava vontade de morder...

Ela ainda podia lembrar todas as vezes que sentou-se do lado dele na aula, que conversaram baixinho e como ela gostava de vê-lo concentrado no que o professor falava. De como os lábios dele parecia uma linha reta quando ficava irritado e de como todo o corpo se esforçava para abraçá-la do jeito certo. Aquele carinhoso.

Ele se lembrava de como ela gostava de abraçar todo mundo para dizer bom dia, de como sempre parecia ter uma piada na ponta da língua e de quando o convidava para deitar no chão ao seu lado com aquele olhos grandes de pedido. Dos dedos dela na sua nuca e deles cruzados aos seus o tempo todo. Ele foi o primeiro a quebrar o silêncio.

A conversa aconteceu em dois planos: a palavra e o pensamento.

– Nós dois passamos praquela universidade, legal né?
"Ela merece, mas me vejo longe dela."
– Muito. Esforço recompensado.
" Porque ele não quer o mesmo curso que eu?" 
– Vai fazer mesmo tua inscrição?
"Por favor, diz que não, vamos pra algum lugar só nós dois."
– Aham, próxima semana.
"Porque ele simplesmente não larga tudo e foge comigo?"
– A minha também.
"Eu te amo tanto, por favor não vá."
– A cidade do teu campus é bem longe do meu, né?
"Tudo que eu queria agora era descobrir um jeito de ter ele pra sempre."
– Uhum, mas existe telefone. E férias. Não vamos perder o contato.
"E nada disso é suficiente pra mim."
– Claro que não, bobo. Você é meu melhor amigo.
"Eu não quero te perder!"
– E você minha melhor amiga...
"E meu amor."

Ambos sorriram um para o outro sem nenhum humor, mas muito afeto.

Ela afastou-se para mais perto dele. Ele tomou seu queixo entre os dedos e lhe acariciou ali suavemente. Ela sentia a perna dele na sua enquanto pegou a mão livre dele e cruzou levemente seus dedos. Ele inclinou-se para trás apoiado nas palmas das mãos. Ela inclinou-se sobre ele e deu-lhe um beijo no canto dos lábios. Ele fechou os olhos. Ela permanecendo inclinada sobre ele. Ele libertou uma das mãos e acariciou a nuca dela, ele selou os lábios dela com os seus por completo. Ela levantou-se e riu.

Eles tinham costume de trocar beijos quando estavam à sós. Ia ser mais difícil ainda se prolongassem aquilo, mas pior ainda saber que era a última vez.

– Sempre me sinto mal quando te beijo...
"Porque sei que você nunca será inteiramente meu."
– Eu não. Eu gosto de te beijar.
"Faria isso o tempo todo."
– Mas, é errado!
"Você não pode despertar em alguém algo que não vai existir!"
– E nunca fui do tipo que gosta do certo.
"Exceto com você, você é o certo pra mim. O certo que nunca mais terei."

E ele puxou-a para ele, beijando-a pela primeira vez com toda a boca, todo o corpo, toda a alma. Assim como ela também o fez.  Aquele era o único modo de dizer adeus do jeito que ambos queriam. Do jeito que nunca havia tentando. E não mais poderiam.

Porque, no geral, as palavras mais preciosas ficam presas na garganta.




“E junto com ela vai um pedaço do meu ser, 
Vai todo amor que eu guardava,
Agora só o silêncio que me restava, 
No meio de tudo que pra mim é nada...” 
- João Lira, amigo e poeta favorito

8 comentários:

  1. Q lindoooooooooooooooooooooooooooooooooooo
    to com os olhos cheios de lagrimas!

    adorei!

    www.intuicaofeminina.blogspot.com

    Beeijos

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  2. Nossa... Sério mesmo esse é o texto que eu mais gostei! Nem dá pra descrever esse sentimento que senti lendo, não é a história da minha vida nem nada mais clichê que isso... Foi só maravilhoso demais.

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  3. Esse é meu primeiro comentário...
    Só pra deixar claro,amo (ênfase em amo please!) cada palavrinha aqui escrita.

    PARABÉNS flor!
    Suas palavras tem em mim,os melhores efeitos!!!!!
    <3

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  4. Suas palavras são quase como mágica e despertam sentimentos maravilhosos ao serem lidas. De novo, sou sua fã! haha

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  5. Uau! Esses dois planos me arrepiaram da cabeça aos pés! Que idéia linda. Amei, colega DDQ.

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  6. Gostei do conto, gostei esse jogo de opostos Ele/Ela, percebo que funciona como uma assinatura, visto está presente em outros contos. O que mais gostei no entanto foi a conversa entre dois planos: as palavras e o pensamento. Estamos despedindo-nos diariamente e jamais se repetem as formas de dizermos adeus. Sereno abraço!

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