Por trás daquele sorriso de festa

26 janeiro 2011 / Tags: , , , , , ,



Para ser lido ao som de Le parapluie -Yann Tiersen & Natacha Regnier

Eu não fazia idéia do que estava fazendo ali. Muito menos de onde era exatamente aquele ali. Mas, pouco importava, era só mais uma casa de qualquer uma daquelas pessoas suadas que dançavam, bebiam, fumavam e que gostavam de me chamar para ir ali.

Meu vestido curto de mangas longas e franzidas na altura dos ombros estava apertado, a meia-calça coçava e meus pés formigavam dentro daquela ankle boot com salto alto demais, mas eu não podia demonstrar isso. A beleza tem um preço e eu era a consumidora que precisava pagá-lo.

Sentada num sofá de couro num canto à meia luz, observei ao redor. A fumaça dos cigarros alcançava o teto forrado e dançava na luz ora azul, ora vermelha, ora qualquer outra cor do espectro. Era bem menos selvagem que as pessoas abaixo dela.

O uísque passava por mim o tempo todo no copo de alguém, no corpo de alguém. Minha garganta ficava seca quando eu o via e doía até mesmo engolir saliva. Eu queria fumar, eu queria beber, eu queria sumir. Mas, eu não fazia nada daquilo.

Eu bebia café solúvel, lia, não fazia idéia do que estava na moda e por isso não ia a festas.
 Eu não era aquele tipo de pessoa.
Porém, eu estava lá.
Ao que tudo indicava, eu havia mudado.

Dançava como todos os outros, sorria como todos os outros, conversava sobre o que eles conversavam. Mesmo sabendo que os olhares me encontrariam e teriam em mente o que eu pensava que estava fazendo. Ou talvez aquilo fosse só os meus pensamentos que eu gostava de projetar para a mente de outras pessoas, pra tentar me enganar que eu não sabia de nada daquilo. Pra poder continuar fingindo.

Às vezes, eu buscava um corpo quente e suado para juntar ao meu. Nenhum deles havia conseguido quebrar o gelo que eu havia esculpido ao meu redor e se refletia nas pontas dos meus dedos - elas sempre estavam geladas. Eles eram só bêbados fedorentos que tinham rostos bonitos e beijavam mal, que beijavam com língua demais uma pessoa que gosta de beijos delicados; que tinha uma pegada forte e mãos bobas num corpo que deseja carinho, não luxúria; eles eram apenas o meu modo de me misturar, de parecer com todas aquelas pessoas que nunca serviriam de exemplo a ninguém.

Para depois de tudo isso, eu voltar para casa descalça e com o cabelo bagunçado no começo da manhã, enquanto os meus poros se eriçavam com o frio e observar o céu com o pescoço lançado para trás e uma pergunta daquele imbecil que estava ao meu lado pairando no ar sem resposta. "O que você está fazendo, gatinha?" Não te interessa, imbecil. Cale a boca, me beije de novo e vá para casa com o número do meu celular ao contrário.

Só então eu poderei entrar de fininho em casa, ir até meu quarto. Lá, ela vai estar me esperando de braços abertos. Eu entrarei ali e me deixarei ser levada no colo até minha cama. Puxarei sua capa com as unhas roídas e chorarei com um desespero silencioso. Entre os meus soluços de arrependimento, perguntarei a solidão quando ela irá embora. Então ela me diz que pela manhã, quando o sol nascer. E que estará de volta quando eu voltar de toda aquela farsa de novo. Eu perguntava, mas sabia que tudo ia, tudo passava. Menos ela.

A solidão era atualmente minha melhor amiga e eu era grata por ter à ela para segurar a mão nos meus sonhos loucos, para limpar minhas lágrimas dizendo que tudo ia ficar bem. Mesmo que nós duas soubéssemos que não.

Não enquanto ela estivesse ali. 

11 comentários:

  1. Adorei! A música me colocou dentro da história, eu vi tudo acontecendo, e eu amo quando isso acontece.

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  2. seria correto registrar aqui que lágrimas me vieram aos olhos enquanto lia teu post ?! porque é, tuas palavras soaram tão verdadeiras, tão reais para mim, que foi inevitável me emocionar.

    amei amei amei. descreveste todo o meu tormento falso e sujo de uma forma extremamente doce.

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  3. Foi o MELHOR conto que já li aqui. *-*
    me identifiquei com tuuuuuuudo. :O
    Vc escreve MUITO, Ilzy. Parabéns mesmo.

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  4. Mais uma vez o texto é ótimo, e a solidão ás vezes é nossa única companheira fiel :D escreva mais, eu adoro ler seus posts.

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  5. "(...)e eu era grata por ter à ela para segurar a mão nos meus sonhos loucos, para limpar minhas lágrimas dizendo que tudo ia ficar bem."
    Uol, parabéns. Lindo texto.

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  6. "Eu queria fumar, eu queria beber, eu queria sumir. Mas, eu não fazia nada daquilo. Eu bebia café solúvel, lia."

    Lindo demais seus textos!

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  7. tem como não amar? me identifiquei demais!
    voce sempre descreve de um jeito unico as fases que a gente passa pela vida, e eu me apaixonei por esse, cara :(

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  8. Como vc consegue escrever coisas tão perfeitas? Sou sua fã, Ilzy. *-*

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  9. awn, adorei <3
    acho que já me passou pela cabeça isso também.e confesso que adoro histórias de meninas com pensamento diferente do tio "não me encaixo aqui".

    em fim, adorei.

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  10. Muuuuito bom, é ótimo ler algo com que eu me identifique tanto...
    escreva sempre por favor!

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  11. Me identifiquei com o conto. Você tem muito talento. Parabéns.

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