Wonderwall

05 janeiro 2011 / Tags: , , ,





Olhando-o de perto, ele nem era tão bonito assim. Tinha aquela pele macia, mas cheia de cicatrizes que só ela podia ver. Certo, isso não era bem um defeito. E claro que tinha aquele vinco no meio da testa, sinal de que as coisas não estavam muito bem. Culpa dela. Mas, quem disse que isso incomodava?

Claro que ele ficava horroroso comendo, quem não fica? Mas, aquelas menininhas mais novas provavelmente achavam encantador. Ela sempre se perguntou por que nunca o havia expulsado de casa quando o via fazer aquilo. Aí lembrava que morava com ele há três anos e como era difícil achar alguém que não incomodasse tanto para ser companheiro de apartamento. Ninguém agüenta um aluguel daquele sozinho.

E lá estava ela, sendo fuzilada pelas costas por aquela mesa de colegiais ao lado, sem realmente merecer. Ela nunca havia chegado perto dele o suficiente para qualquer espécie de ciúmes tolos de nenhuma delas. Aliás, dormir junto numa noite fria de lençóis sujos não é perto o suficiente, ou é?

Bem, o fato é que ele cheirava  a banho recém-tomado e aquele perfume que ela mesma havia escolhido, porque o anterior era péssimo, assim como todos os outros. E usava aquelas camisas quadriculadas aberta do tempo do avô, mal gomadas e com uma camiseta branca por baixo. Um jeans surrado que ele raramente lavava. Aqueles tênis enormes e sem cadarços. E claro, ele sempre vestia aquele sorriso vulgar e conquistador.

Dava até pra entender os suspiros da mesa das colegiais.

Finalmente ele havia acabado, mas não antes de enfiar-lhe o hambúrguer quase goela abaixo, enquanto ela esforçava-se para dizer que não queria nada e pontuar com um bom palavrão. Então, ele caminhava ao seu lado e antes de passar pela mesa das colegiais, cruzava seus dedos nos dela e ficava fazendo círculos com o polegar. Irritava, mas ela sabia que era só mais uma das mil manias dele.

Ela o observou pelo canto dos olhos, enquanto caminhavam pelas ruas cheias de desconhecidos que pouco importava o que pensassem. Ele continuava falando sem parar sobre aquela menina imbecil que ele estava namorando há algum tempo. O que ela havia feito dessa vez? Óbvio: as mesmas incompreensões de sempre.

Então ele percebia que ela não estava interessada, parava de falar e colocava seu braço pesado sobre o ombro dela. Era difícil subir as escadas do prédio daquela maneira, mas ela já havia reclamado demais pra nunca ser ouvida. Ele abriu a porta e a deixou jogar seus sapatos e a bolsa na cozinha.

Quando ela voltava para a sala, o encontrava com a TV ligada e deitado no chão, olhando o teto. Não parecia ouvir nada, imerso demais na sua própria escuridão. Ela ia até lá e sentava-se ao seu lado. O fazia levantar e lhe tirava a camisa. Depois entregava um copo do uísque barato que havia comprado.

Ele sempre olhava desconfiado, mas depois tirava o maço do cigarro do bolso, bebia um gole e acendia um. Ela o roubava na segunda tragada. Revezavam uma tragada por vez até acabar. Apenas um copo para cada um, apenas um cigarro por depressão, era essa a política ali.

Então ele deitava as costas nuas no tapete. Ela deitava ao seu lado, e não muito depois suas mãos procuravam os fios do cabelo dele. Era o castanho mais macio que ela já havia tocado, mesmo com aquela mania de acariciar o cabelo de todo mundo que conhecia.

O dele era especial.

Ele fechava os olhos e calava-se, deixando-a deslizar seus dedos pelos fios do cabelo dele lentamente. Subindo todos os dedos até o topo, depois deslizando lentamente até o fim. Provavelmente ela deveria dizer alguma coisa, mas ele sabia exatamente o que ela diria. Ela também sabia exatamente o que ele responderia. Então eles ficavam naquele silêncio confortável de quem não precisa dizer nada.

Naquele momento ela esquecia todos os milhares de defeitos dele e tinha certeza que o amava de um jeito único, nunca experimentado antes. Ela observava o rosto dele por muito tempo, até que ele finalmente cansava de ignorar as rajadas quentes de ar que vinham da boca dela e virava os olhos em direção aos dela. Eles ficavam observando um ao outro por muito tempo.

Só então ela parava de acariciar o cabelo, sob os protestos-mudo do olhar dele, e deitava sobre o peito nu. Colocava seu ouvido bem encima de onde o coração dele pulsava calmamente e ficava ali. Todos os problemas acabavam naquele padrão eterno e terno de batidas.

Tudo que ela lembrava depois daquilo, era de ter dormido, de ser carregada no colo e colocada com delicadeza na cama, depois sentia o corpo quente dele ao seu lado, sentia o lençol sendo puxado sob seus corpos. Então ela lançava seu braço sobre o corpo dele e apertava-o forte contra o próprio corpo.

"Eu te amo. Obrigado." podia escutá-lo dizer bem baixinho. Ela o beijava no pescoço preguiçosamente e sentia todos os pêlos dele se eriçarem. Depois caía num sono profundo... De quem estava cansada demais para escutar o final da fala dele que vinha horas depois. "Eu poderia ser só seu, se você quisesse. Ainda bem que não quer."


Hoje pode ser o dia em que todas as coisas cairão sobre mim. 
E eu não acredito que ninguém sinta por você o que eu sinto agora. 
Porque, talvez, você seja a única que pode me salvar.

9 comentários:

  1. merda. quando eu vi o título, wonderwall, já previa que seria um post que acabaria com o meu ânimo já afundado; esta música, digamos que era uma espécie das músicas-símbolos, que todas nós temos/achamos aliás, do meu último namoro e que agora é uma daquelas músicas proíbidas de se ouvir, para o bem da minha fraca auto-proteção.
    whatever.

    "Tinha aquela pele macia, mas cheia de cicatrizes que só ela podia ver."

    me desculpe, mas quem descreve tudo o que sinto aqui é você, e não o contrário; este teu trecho acima resumiu toda a minha realidade, toda a minha desconfiança; não exatamente claro pra qualquer um, mas sem dúvida, você adivinhou tudo por aqui.
    adorei, eternamente.

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  2. mt bom, onde aprendeu a escrever assim? - É leve, livre, detalhes mt singelos.
    tbm me identifiquei...

    bj

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  3. Ele não éo principe encantado, mas ela é concerteza a gata borralheira

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  4. gostei do wonderwall meu bem!
    bem criativo.. me indentifiquei com alguns trechos..
    ta legal amor.
    continua assim !
    bjao

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  5. acho que vou comentar em todos :D
    muito bom como sempre.

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  6. "Eu poderia ser só seu, se você quisesse. Ainda bem que não quer."

    Adoro contos, principalmente o seus! Maravilhoso como sempre esse.

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  7. Mas genteeee.. vc é uma dyva! Esse vai pro livro né?!?

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  8. Lindo!!! Não me canso de elogiar seus contos! São muito bons. :D

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