Você sabe Voar?

18 novembro 2010 / Tags:

 
Quando abriu a porta, não pode evitar abrir um sorriso também. Vê-la sorrir por todos os poros sempre o deixava feliz, mesmo que isso aplicar-se dizer vê-la daquela maneira. E lá estava, com uma garrafa na mão e mal se sustentando de pé, apoiando uma das mãos em cada lado da porta. Quanta daquelas já havia tomado antes de conseguir subir todos aqueles lances de escada? Ele bem podia vê-la sorrir dos próprios passos incertos daquele bar onde costumava ir até ali, no seu prédio.

Ele podia ver no fundo dos seus olhos quantas tristezas ela havia tentado afogar.

Vestia o seu jeans mais escuro e uma blusa cinza de mangas, com outra preta por cima. Obviamente esquecera o casaco. A maquilagem pesada tão típica contrastava com seus olhos verde-escuro, quase chegando-os. Eles pareciam inchados. Um ar esnobe passado pelo seu nariz toda vez que ela respirava.

Então ela o tocou com o dedo indicador no queixo e entrou. Foi direto para a cozinha, quase caindo em todas as passadas com os saltos altos demais daquela bota estranha e com certeza desconfortável. Abriu a geladeira, apanhou outra garafa e deixou a vazia ali, fechou a porta com o pé e quase caiu nessa proeza.

Depois jogou-se no sofá e sorriu de algo que parecia muito engraçado, dando palmadinhas no lugar ao seu lado. Afinal, quem era mesmo o dono daquele apartamento? Ele assentiu, caminhou até o sofá e sentou-se ao lado da moça embriagada. No mesmo instante, ela deitou a cabeça em seu ombro, observando o mundo de dentro das suas palpebras. Sorriu mais uma vez e disse completamente confiante: - Eu te disse que um dia ia conseguir me livrar dele! E então pontuou tudo com um soluço que cresceu ao longo das próximas palavras: - Ele terminou comigo. Denovo, Peter, denovo!

Naquele instante a máscara de força da menina desabou. Ela lançou seus braços ao redor do pescoço do rapaz e cravou suas unhas na camisa dele apertando-a e soluçando muito contra seu peito. Ela procurava desesperadamente por alguma coisa que ele sabia exatamente o que era: proteção.

Peter apertou-a contra seu peito, enquanto suas mãos quentes afagavam a nuca da moça em direção à raiz dos seus longos fios descoloridos e seus lábios fazia um pequeno barulhinho de que era hora de ela ficar bem. Se ela precisava de uma base, ele era a mais sólida de todas.

E então, após muitos soluços, lágrimas e baixos "porquê ele fez isso comigo?", ela finalmente acalmou-se. Levantou a cabeça, mas não os olhos. Ficara olhando o estrago que havia feito com lágrimas e maquilagem preta na camisa dele de um jeito debil e infantil, mordendo as bochechas por dentro. Só então seus olhos vermelhos encontraram a claridade que vinha dos olhos azuis escuros dele. Ele lhe deu um pequeno sorriso como quem dizia que não havia problema e murmurou: - Hora do banho, Cherrie.

Ele precisou ajudá-la a levantar, retirar suas botas e carregá-la no colo até a porta do banheiro, onde ela tirou a blusa ainda na sua frente e entrou. Ele fechou a porta e recostou-se ali, até sentar-se no chão. Coçou a barba por fazer, fechou um dos punhos com força e desejou apenas uma coisa: Que aquele canalha morrere do jeito mais doloroso do mundo!

Como alguém podia fazer alguém como ela sofrer? De certo Cherrie era uma pesssoa de caracter difícil, arrogante, fria e esnobe, mas, era também uma das mais incríveis que ele já conheceu. E aliás, há quanto tempo se conheciam mesmo? Quase dez anos. Desde aquela vez em que ela desafiou o menino novo da rua à pegar um pedaço da torta da visinha que esfriava na janela. E ele fora pego, e ela assumira toda a culpa. E ele descobriu ali o princípio do maior amor que alimentou por uma pessoa em toda a vida.

A partir daquele momento eles não passaram um dia sequer sem se ver.

Cherrie era a única amiga do tímido menino que se escondia atrás dos óculos de grau forte e do corpo magrelo. Fora ela que o obrigou à ir a academia todos os últimos anos e que lhe disse que nem mesmo o mar mais profundo poderia brilhar mais que os seus olhos, obrigando-o também à usar lentes de contato. Ela o ajudara a deixar a timidez e a arrumar aquele emprego de fotografo no jornal da cidade.

Em troca ela sempre pode se esconder no quarto dele quando bebia demais ou usava algo muito forte e seu pai provavelmente à deserdaria se aparecesse em casa. Ela sabia que mesmo falando as coisas mais frias do mundo, ele sempre atenderia o telefone, não importava à hora da madrugada. E que o abraço dele era o único local em que tudo parecia certo, verdadeiramente.

Sempre fora aquele ciclo entre os dois, até que ela se apaixonou por... Ele se recusava à pronunciar ou pensar naquele nome. E então noites como esta havia se repetido tantas e
tantas vezes que ele já estava fadigado. Cherrie era a pessoa mais forte que ele conhecia e ele só a viu chorando depois de que ele surgiu.

Ele o odiava com tanto fervor que provavelmente o mataria se o visse em momento como aquele.

Mas, sabia que no fundo só o odiava por ele ter conseguido. Cherrie o amava. Não do jeito como amava a Peter, mas do jeito que ele sempre desejou. Tapa, tapa, tapa. Ele não devia pensar sobre aquilo! Como ousava desejar Cherrie não como uma irmã, como ela o era? Mas, mesmo sabendo disso, era inevitável. Sempre que a via daquela maneira ele sentia vontade de dizer tudo que lhe sufocava a garganta, mas nunca o fez.

Havia muito em jogo para perder com palavras.

Ela saiu do banheiro e quase o derrubou quando abriu a porta. Vestia um daqueles blusões que sempre estavam no banheiro do rapaz e tinha os cabelos molhados umidecendo a parte de trás da blusa. A maquilagem não havia sido totalmente retirada e ficaram ainda alguns resquicios. Os olhos permaneciam vermelhos.

Levantou-se e pegou-a novamente no colo, onde ela aninhou-se próximo ao seu pescoço e ficou quietinha até chegarem a cama. Quando a alcançou, colocou-a delicadamente ali entre os lençóis. Ela parecia realmente cansada ou só abatida pelo sono da embriages. De uma maneira ou de outra, ele sorriu e deu-lhe um beijo de boa noite na testa. E quando já ia pegar alguns lençóis para si, pois aquela era mais uma longa noite para se dormir no sofá, sentiu que não poderia.

As unhas dela estavam cravadas em sua camisa.

Murmurando entre o sono e a lucidez, ela pediu que ele ficasse ali. Completamente inseguro, mas incapaz de lhe dizer não quando ela o olhava daquela maneira, ele deu a volta e deitou-se do outro lado da cama. No mesmo instante, ela virou-se para o lado onde ele estava, deitou a cabeça no braço ele e procurou seu pescoço com a ponta do nariz até o encontrá-lo. Ele podia sentiu o cabelo macio dela em sua bochecha e o cheiro de álcool ainda transpirando.

E ele esperou-a dormir e ficou olhando-a indefesa por muitas horas, até não aguentar mais e também cair num sonho profundo, onde ele era completamente capaz de dizer à ela tudo que sentia e finalmente à teria só para ele.


Acordou com duas piscadelas. Uma luz matinal invadia o quarto de um jeito peculiar, perpendicular à visão da janela. A claridade incomodava os olhos ressacados, porém e na verdade, ela não estava muito consciente disso. Ainda podia sentir aquele calor estranho próximo demais ao seu corpo, mas quando mesmo ele foi parar ali? Aos poucos percebeu as formas. Devagar para não acordá-lo, ela levantou levemente a cabeça, até sentir os jatos leves de ar que vinham do seu nariz.

Porque ela estava dormindo com o Peter?!

Um susto enorme lhe invadiu a mente. Ela reparou rapidamente em seus trajes e percebeu que estava vestida. Suspirou e sentiu um peso enorme na consciencia. Havia bebido tanto que seria capaz de dormir com o melhor amigo? Ela não sabia. Como havia chegado ali? E porque mesmo? E o principal: porque ele não estava dormindo no sofá, mas sim ali, com o braço sobre ela? Não que ela estivesse reclamando é claro...

A noite anterior só lhe rendia dúvidas.
Preferiu deixar pra lá.

Ela o observou dormindo por mais um tempo. Os olhos azuis escuros dele estavam fechados e a barba por fazer grudava em alguns fios do seu cabelo. Aliás, ele ainda estava meio molhado. Será que ele havia lhe dado um banho? Não, não parecia muito à cara dele.

Só então ela lembrou o porque de ter bebido tanto na noite anterior e uma estranha dor lhe partiu o âmago ao meio. Daquela vez era diferente. Não era só mais uma briga e ele havia levado todas as roupas para o apartamento da outra. Talvez estivesse cansado dela ou de tudo aquilo, e doía muito pensar sobre isso. Mas do que esse dor de cabeça tão gritante! Ela o amara tanto e tudo que recebera em troca era aquela dor?!

Peter suspirou e mexeu-se levemente. E ela sentiu uma coisa estranha dentro de si. Uma espécie de amor, misturado à gratidão e culpa. Como ele podia aguenta-la tantas vezes como haviam sido os últimos tempos? Se ela já era irritante sóbria, bêbada então deveria ser um desterro.

Mas, ele nunca fechava a porta.

Ela sentiu um enorme desejo de beijá-lo naquele instante. Não porque o quisesse de verdade, mas porque estava desesperada por um jeito de agradecer por tudo que ele havia feito todos esses anos. Mas, porque ela o beijaria? Ele era seu irmão e irmãos não beijam irmãos certo?

Errado.

Ela sempre soube como Peter se sentia em relação à tudo aquilo, pois o conhecia melhor que ele mesmo. Mas, sempre preferiu ignorar da mesma maneira que ele ignorava. Não, ela nunca o amou como ele à amava, porém isso não tornava seu amor por ele menor. Ela realmente o amava. Amava como ele à amava e realmente gostaria de amá-lo como ele merecia.

Bem... Ela poderia tentar.

Ela não tinha absolutamente nada a perder agora e ele merecia, acima de tudo. Ela sorriu para a idéia e abraçou-a do mesmo jeito como ele à abraçava agora. A partir daquele moento, ela o faria feliz, mesmo que para isso precisasse abrir mão do mundo à sua volta. Por ele, valia a pena.

Levantou-se sem acordá-lo e foi até a cozinha, mas, não antes de tomar um banho e dar um jeito naquele ninho que havia se tornado seu cabelo. Preparou alguma coisa - um café especialmente para sua ressaca - e sentou-se na mesa. Só então reparou a figura do rapaz recostado na porta da cozinha.

Os cabelos negros despenteados lhe caiam sobre os olhos azuis escuros e ele estava de braços cruzados. Parecia esperar algumas respostas. Ela sorriu para ele do melhor jeito delicado que conseguia enquanto sentia que uma bomba ia explodir a qualquer momento dentro do seu cérebro. Ele não sorriu de volta. Parecia decidido à lhe dar um sermão.

- Cherie... Começou com uma voz cansada, mas ela desceu da mesa - rápido demais - e cambaleou até onde ele estava. Abraçou-o e após alguns minutos sentiu os braços dele em volta do seu corpo. - O que eu vou fazer com você? Ela pode escutá-lo murmurrar em seu ouvido e sorriu. Ela sabia exatamente o que ele precisava fazer.

- Voar. Ela respondeu, sorrindo à ele. - Como? Ele respondeu e ela viu uma linda ruga entre os seus olhos. Então, cruzandos seus dedos aos dele, ela o levou até a janela mais próxima. Recostou-o ali, onde os braços dele apertaram com mais força sua cintura. - O que você está fazendo? E ela sorriu novamente, colocando o dedo indicador nos lábios dele, pedindo silêncio, e recostando seu corpo cada vez mais por cima do dele, entrelançando seus braços ao pescoço dele. Peter permanecia sem entender absolutamente nada.

Então ela o observou pela última vez antes de fechar os olhos e esperar. E ele entendeu o que precisava fazer. Ainda surpreso com tudo aquilo, ele estreitou seus braços ao redor da cintura dela e - ele mal podia acreditar! - colocou seus lábios contra os dela, num beijo tão esperado!

No mesmo momento, Cherrie abriu os olhos. Ela observou pela janela e não pode mais sentir os pés do chão, nem mesmo vê-lo e teve a sensação de que estava voando. Os braços dele lhe estreitavam cada vez mais e ele procurava seus lábios do jeito mais puro e sincero que ela já havia experimentado.

Então ela sentiu que poderia voar.
E que gostaria de voar por toda a vida nos lábios e braços dele.
E quem precisava de amor carnal quando se tem tudo isso?
Ela aprenderia a amá-lo não porque seu coração desejasse, mas porque, às vezes, é preciso amar a pessoa certa, não à quem se ama realmente.

Este é o segredo do "Felizes para Sempre".

9 comentários:

  1. Aaaaaaaaaaaah, perfeito, juuro que me arrepiei, estou EXTASIADA que texto mais lindo, garota vc realmente tem um dom, o de escrever, se continuar assim vc vai longe em!?

    bjs e 100000000,9999 de parabéns

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  2. AAAMEEEI ILZY, (lembra de mim ? @nataaliamunhoz) então, mt perfeito, eu quase nunca tenho paciencia pra ler um conto tão grande como esse, geralmente divido em duas partes, mas esse prende, talvez por eu me identificar. Lindo

    xoxo :*

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  3. meu deus, você escreve muito bem! sério, corre atrás de uma editora, sei lá, eu AMARIA comprar um livro seu. Adoro seus textos no DDQ e ainda mais esses daqui, visito sempre <3

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  4. Amei, amei!
    Você devia escrever livros, de verdade.
    Obrigada por dar isso pra gente, e o melhor, de graça.
    Beijos e muito sucesso!

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  5. Gostei do Peter e do ar parisiense! Tão lindinho esse conto.

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  6. Seus contos são todos indescritíveis , me pedoe por não comentar todos , é que acabo me distraindo querendo sempre ler o próximo.

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  7. Ilzy é maravilhoso poder ler seus contos pois eles nos ajudam a entender,ler e desenvolver o amor pela leutura,muito obrigada por dar esse praser pra gente,que voce tenha muito sucesso com esse dom que é espressado em cada palavra
    que voce possa aproveitar cada momento eles sao muito importantes nessa estrada que é a vida
    tudo de bom pra voce querida
    =)

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  8. É tão triste dizer que não gostei de um dos seus contos. A maioria são tão lindos, mas têm outros, como esse, que não conseguem me tocar de jeito nenhum... =/

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