Os bons motivos de um jogo sujo.

26 agosto 2010 / Tags:


- Dê-me aqui essas cartas! Uma voz feminina e autoritária sorriu para os participantes da mesa. Um velho magro e de cabelos grisalhos deu-lhe um sorriso maldoso em retorno. Ele estava distribuindo as cartas antes. Outro homem, de terno, bebeu um copo inteiro de uísque de uma vez. Parecia concentrado e preocupado. Já havia perdido demais. O outro, que fumava um charuto cubano apenas olhava ao redor. Também preocupado.

O local cheirava a álcool, suor e charutos. E trapaça. Agora – com o baralho em mãos – a menina podia sentir o cheiro do próprio perfume e de sabonete de morango enquanto apoiava a boca do dorso da mão. Observava o baralho em suas mãos – não era dos melhores jogos – ao tempo que sentia o jogo perfeito em seus pulsos. Ela tinha cartas nas mangas. Literalmente.

Ela havia aprendido a jogar com o pai,
Mas sabia perfeitamente que ele odiaria vê-la naquela situação.
Porém, era necessário.
E o jogo se faz à medida da necessidade.

O pub ficava no cruzamento entre a quinta avenida e a rua da alfândega. O tipo de lugar aonde pessoas sensatas não iriam, pois os maiores prostíbulos e cassinos estavam ali; os índices de assalto, estupro e a criminalidade – em geral – daquela cidade tinham ali uma mãe. Todos, jogos de interesse. E todos ilegais.

Bem, sensatez nunca foi um dos adjetivos de Liz.

Ela colocou uma mecha do cabelo para trás da orelha, sorriu delicadamente para o seu baralho e passou a língua num canto seco dos seus lábios carnudos. O senhor dos charutos parecia realmente interessado naquilo, tanto que sequer percebeu que – naquele mesmo momento – ela havia retirado três cartas da manga e colocado outras três em seu lugar. Tudo isso com uma habilidade que só pode ser descrita como um dom.

Agora, só precisava esperar mais um ou duas rodas – para não haver suspeitas – e baixar o jogo perfeito. Foi o que fez cinco minutos depois, para o completo desespero dos três homens que estavam ali – observando mais suas pernas e seus seios ao próprio baralho – que ela fez o milagre.

Pegou todas as fichas para si, sorrindo abertamente. Havia acabado. Levantou-se e sorriu aos senhores que também levantaram – quem disse que delinqüentes não pode ser cavalheiros? Os ricos são, acredite – e desejou-lhe boa noite.

O homem magro não estava satisfeito enquanto via as longas pernas da menina cruzando o salão. Ela não levava só aquelas belas curvas, levavam o dinheiro da hipoteca de sua casa e provavelmente a incerteza de onde sua família moraria agora, também. O outro do charuto levantou. Seguiu seus calcanhares até onde ela conversa com o barman.

– Uma boa noite, Liz... Começou e terminou o barman. E ele não estava lhe desejando nada enquanto observava seus olhos castanhos cruzarem os dela, de um azul fosco excitado e animado. Como ela nunca falava, ele apenas sorriu. E foi retribuído, juntamente com um pequeno pedaço de papel deixado sobre o balcão. Ela pegou um grande maço de notas verdes, guardou na bolsa vermelha que levava e virou-se para sair.

O barman – um italiano deportado – ficava muito feliz todas as vezes que alguém tirava o máximo que conseguisse daqueles cretinos que por lá andavam. Eles não eram generosos em gorjetas e isso deixa magoas em qualquer um que faça um bom serviço. Ficava mais feliz ainda enquanto observava as letras redondas e escritas apressadamente da menina. Dez dígitos. Um número de celular.

Quando as longas pernas da menina pretendiam cruzar a porta, uma mão pousou sobre seu ombro. Cheirava a charutos. Parecia que ela estava enrascada. Seu coração não lhe tampava as vias nasais agora. Então ela virou-se, sorrindo calmamente. O homem apenas lhe entregou um cartão, disse que a esperava na próxima noite naquele endereço: -... Depois do jogo, naturalmente. E sorriu para ela, ela sorriu em resposta e saiu.

Amassou o cartão e jogou-o numa lata de lixo algumas esquinas depois. Nem percebeu que aquele era o convite de uma grande festa que aconteceria no Hotel Royal, que segundo as línguas seria o maior evento que se teria notícia naquele ano. Precisou caminhar quase trinta minutos até encontrar um local onde passavam taxis. Estava apavorada durante todo o caminho. O homem olhou-a como quem perguntava o que havia dentro da sua cabeça para andar aquela hora naquele lugar. E ela lhe respondeu a pergunta: - Vá à 4ª delegacia, por favor.

Quando desceu, pagou ao taxista e puxou o casaco para mais perto do corpo. Mirou aquela velha e típica construção americana por algum tempo: os cinco degraus de pedra ladeados por corre-mãos de concreto, a construção cinza e as letras garrafais que lhe davam nome. Via estruturas como aquelas na maioria dos filmes que perdia noites analisando. Nunca esteve em uma, nem nunca estaria se não fosse por ele.

É isso que se ganha quando se deseja uma vida de filmes, pensou.
Depois adentrou ao local.
Pediu para falar com o delegado.

O Mr. Hudson era um homem de rosto suculento e tez realmente branca. Vestia aquele uniforme há tantos anos que já lhe parecia um órgão do corpo – uma espécie de outra epiderme. Conhecia Liz há tanto tempo que toda vez que a via fazia questão de comentar que a pegara no colo. E toda vez lamentava pela morte do seu amigo e pai da menina.

- Tenho o dinheiro. Foi tudo que ela disse, enquanto tirava da bolsa cerca de 10 maços de dinheiro. Havia tanto dinheiro ali que o próprio delegado espantou-se. Ele lhe fitou com muitas perguntas. Guardou todas para si ou para outra ocasião. Chamou um dos seus homens e pediu que levasse a menina até onde “o sujeito”, mas não antes de lhe dizer que realmente não acreditava no que estava acontecendo.

Os corredores das celas eram fedorentos e secos, apesar da umidade alta lá fora. Pareciam emanar por discórdia e agonia. Era quase tocável em frente ao ar que se formava a frente de cada uma dela. Liz escutou insultos e elogios enquanto caminhava por ali, até a última das celas. Seu coração estava completamente caloroso. Ela finalmente havia conseguido.

Quando o homem e a menina alcançaram a última cela, o soldado bateu nas grades, chamou um sobrenome conhecido e sorriu. Engraçado como todos ali parecia gostar daquela criatura. Lá de dentro, por entre o breu da noite e entrando por baixo de uma luz fraca.

Ele não tinha mais do que dezessete anos. Vestia um jeans sujo e uma camisa cinza por baixo de um casaco discreto, também cinza. Tinha a barba por fazer e os cabelos completamente sem cortes, rosto cheio de traços marcados, muito masculinos e bonitos. Parecia completamente arrependido e tão cansado que se uma cama qualquer lhe fosse colocada a frente, seu corpo cessaria forças no mesmo instante. Caminhava com estranheza, parecia não acreditar no que escutara.

Aliás, só acreditou mesmo quando seu rosto foi iluminado pelo seu sorriso mais característico: sua boca – que mais parecia um corte abaixo do nariz – abria-se num sorriso de dentes brancos e alinhados. Seus olhos – de um azul tão fosco que se tornavam cinza – brilhavam a imagem da mulher que ele mais amava no mundo, esperando por ele ali a alguns passos, roendo das unhas pintadas de vermelho.

Ele correu até lá, mal podia esperar para tê-la entre seus braços e perguntar-lhe como havia conseguido, pois eles nunca poderiam pagar tudo aquilo, ainda mais em tão pouco tempo. E ele a tomou entre seus braços minutos depois, enquanto ela enroscava os seus no seu pescoço e seus dedos nos cabelos dele. Lagrimas lhe vinham ao rosto como torrentes, e dessa vez ela não as controlou, especialmente enquanto sentia a boca do rapaz tão perto dos seus ouvidos, sussurrando com toda sinceridade que poderia: – Você é a melhor irmã do mundo, Liz. Obrigado.

5 comentários:

  1. tô curiosaaaaa! gostei...
    eu quero mto mais

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  2. Muuuito liindo... Amei, Ilzy vc eh mt, mt criativa

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  3. Jurava que o "sujeito" seria um namorado ou algo parecido. rsrsrs Adorei! Muito criativo. :D

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