Medo de olhar [4]

11 agosto 2010 /



PARTE IV


Em meio a escuridão do quarto que ela julgava ser seu refúgio-mor, a menina estendia seu corpo recostado na porta de madeira, após perder a força das pernas que lhe sustentavam e escorregar até ali, no chão duro e frio. Lágrimas formavam uma enorme onda em seus olhos e caminhos diversos pelo seu rosto, deixando uma marca quente por onde passavam e impedindo-a de ver à sua frente.

Um nó estranho formou-se em sua garganta, parecia que tinham retorcido-lhe a laringa, faringe e todo o aparelho digestório, que agora lhe impedia de respirar quase que por completo. Ela sentia-se tonta. Estava completamente em pânico.

Suas pernas tremiam, ela não queria lembrar nunca mais de tudo aquilo e vinha fazendo esforços todos os dias para reter tais imagens. Mas - naquela noite - nenhum dos seus esforços adiantou. Ela elevou as mãos ao rosto, tentando impedir à si mesma de formar qualquer uma daquelas lembranças. Tudo em vão. Em meio a escuridão de suas palpebras, as imagens eram quase tangíveis.
• FLASHBACK •
Algumas lembranças são cruéis demais,
que é preferível esquecê-las.

Era o fim do verão daquele ano. Uma menina pequena de cabelos ondulado na altura dos ombros esperava - com as mãos pequenas entendidas e a cabeça jogada para trás, observando o céu - uma bola colorida lançada com muita força por um rapazinho do outro lado da rua. Ele tinha pernas finas e um sorriso maldoso no rosto. Ela acabara de saber que ele chamava-se David.

Quando a bola finalmente lhe alcançou, bateu de cheio em seu rosto e quicou sendo lançada por cima da menina, rolando ladeira abaixo. A menina enfureceu-se de tal maneira que fora imediatamente buscá-la. Aquilo teria troco e seria naquele instante. Correu com todas as forças que suas pernas de oito anos conseguiam suportar. O sol já estava terminando de despedir-se no horizonte e ela sabia que logo papai iria lhe pedir para entrar. Fim de verão significava fazer biscoitos, ouvir a última história das férias e dormir cedo demais. Naquele ano, também significava escola nova.

Persegiu a bola por muito tempo e já estava sem paciência, quando ela finalmente parou. Infelizmente, parou nos pés de um homem estranho. Não parecia com nenhum dos seus visinhos e ela percebeu enfim que nada ali parecia com sua visinhança. Parecia ter andado uns três ou quatro quarteirões. O homem observou a bola, depois a menina.

O homem tinha o rosto muito sério e mascado por uma cicatriz acima da sobrancelha. Vestia uma roupa combinando a calça com a blusa de botões, com uma estampa militar e botas sujas. Sorriu para ela de um jeito estranho. Amedrontador. Pegou a bola e começou a ponderar: - É sua? A menina fez que sim com a cabeça, mais interessada nas medalhas na roupa do homem que em sua voz. - Você a quer de volta? Ela o olhou nos olhos daquela vez. Claro que queria, precisava se vingar de um certo rapaizinho que estava lhe esperando. Mas aquilo esperou alguns instante... Os olhos do homem eram esquisitos. Não eram castanhos, nem verdes. Eram uma mistura estranha daquelas duas cores, variando quando o luz batia em cheio neles ou quando a meia-escuridão lhes recobria. Formavam losangulos pequeninhos cada um com uma cor. Eram muito bonitos.

- Qual seu nome? Ele sorriu, mostrando os dentes amarelados para a menina de chegando mais perto. - Delilah. Ela disse aquilo com toda a presunção de uma criança. Gostava de dizer o próprio nome, era bem verdade. - Então, Delilah... Tome aqui sua bola. Ele entregou-a, abaixando-se na altura da menina e olhando-a nos olhos. Delilah sentiu vontade de tocar os losangulos coloridos. - Gosta de chocolates? Ele tirou um do bolso e entregou a ela. Delilah comeu-o de uma vez só. - Quer mais? Ele parecia presunçoso demais. Ela fez que sim com a cabeça. - Ah, venha comigo então... E ele segurou-a pelo pulso, forçando-a a soltar a bola. Era um aperto firme demais. Delilah tentou soltar-se, quis dizer que precisava ir, que o chocolate podia ficar para depois, mas o homem continuou puxando-a em direção sua casa, apertando seu braço com mais força. Ela tropeçava mais do que andava.

- Delilah?! Um grito fez-se presente em meio ao silêncio da rua. O homem parou no mesmo instante. O pai de Delilah descia a rua rapidamente. Era um homem alto, magro, branco, de cabelos da mesma cor dos da menina e dos olhos tão azuis que até o céu poderia sentir inveja. A menina sorriu assim que o viu. Ele não sorria, parecia muito preocupado e ofegava de tanto correr. Alguma coisa dizia que Delilah estava enrascada. Havia perdido a hora dos biscoito.

- Ei! Você ai! Solte o braço dela! A voz autoritária do papai corria quando ele chegou próximo de onde os dois estavam. Lilah não era a única enrascada então. O homem dos olhos coloridos estava realmente encrencado.

Naquele instante seu pulso foi livre e o homem começou a correr em direção à casa, mas não antes de dar um belo soco no rosto de Delilah, como se ela fosse a culpada. A menina caiu no chão e bateu a cabeça, mas ainda pode ver papai correr atrás do homem e escutar alguma coisa com o som bem alto. Depois disso, não lembrava de absolutamente nada.

Naquele ano, não houve biscoitos.
Nem história antes de dormir.
Delilah procurou pelo papai por muitos dias,
Até que lhes contaram que o papai não voltaria.
Ela só entendeu muitos anos depois.
• FLASHBACK END •

NOTA DA AUTORA: Pela primeira vez em muito tempo tenho a rápida impressão que não vou conseguir chegar neste final tão cedo. ;)

6 comentários:

  1. completa logo como um livro, >.< existe um site que pode facilitar; vc cola suas obra e depois comprar ela com paca e tudo, feito em uma gráfica. Vc é uma escritora do tempo moderno.

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  2. Xilzy do meu coração, ta muito bom! quero mais e mais;)

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  3. Mas Ilzyyyyyyy! O menino era o homem?! Não entendi nada... :(

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  4. O Patch é o filho desse cara? Quero mais!! Está muito bom! *--------*

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  5. Preciso saber do resto da estóriiiiiiia, fiquei curiosa.
    Obs.: Conheci seu blog hoje e jpa to só love por ele haha
    Beijocas

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