Medo de Olhar [3]

08 agosto 2010 / Tags:



PARTE III



Ele retorcia as mãos, esperando na porta da casa da menina, após tocar a campainha. Seu rosto parecia torturado por alguma coisa que nem mesmo ele poderia explicar. Conferiu se tudo estava em seu lugar. Sapatos limpos, camisa de botões passada, jeans novos. O perfume estava em ordem em seu pulso. O cabelo também, visto pelo reflexo do vidro da porta. Então a porta se abriu.


Delilah vestia um jeans escuro e liso, uma blusa cinza-claro e um bolero colorido. Um pequeno salto vermelho. Prendeu o cabelo num rado de cavalo baixo e frouxo, para dar a impressão que não estava arrumada demais. A franja caía para o lado direito e ela sabia que acabaria irritando-se com aquilo em seus olhos, mas deixou como um pequeno charme.  Aquele perfume francês que havia ganhado no último aniversário contaminava todo o ar no momento.

Ela o olhou e corou no mesmo instante. Nunca havia pensado que aquilo aconteceria. Path nunca deu qualquer sinal de que um dia eles sairiam. Ela era sua simples companhia na escola, todos os dias, porque ele ainda não se sentia capaz de fazer amigos. Ou assim ela pensava. E estava enganada.

Sorriu serenamente, parecia realmente feliz. Delilah percebeu que um pequeno sorriso também se fez presente em seu rosto. Tornou-se vacilante assim que ela mirou os olhos do rapaz. Eles estavam mais verdes que de costume, como se nunca tivesse sido castanhos. Talvez fosse a blusa verde-claro que ele usava ou era só ela tendo a impressão que ele conseguia ficar mais bonito todos os dias.

Ele tomou o dorso de sua mão e beijou-a, sorrindo com um pouco de malicia: - Vamos? Então uma busina soou alto, um alarme sendo desligado. Delilah olhou um carro verde-escuro parado em frente sua casa. O quê? Seu corpo tornou-se tenso enquanto ele lhe guiava.

Parecia o quão atiquado o leitor puder imaginar, mas Delilah tinha algumas políticas próprias. Uma delas era não entrar em carros com rapazes, especialmente sozinha, sooava pegorativo demais para uma menina como ela, criada como uma dama. Uma espécie de alto preservação ou algo do gênero. Mas, naquela noite, ela observou Path e respirou fundo. Já havia quebrado metade do que acreditava, do importava mais aquilo?

Adentrou ao carro e esperou ele entrar também. Ela não conhecia carros, mas aquilo era algo como um chevrolet, se esse era o nome correto. Os bancos eram confortáveis, e havia um leve cheiro de bala de morango e cigarros. Path fumava? Ele tinha licença para diriguir? Ela percebeu que não o conhecia. Aquilo fez seu medo despertar pela primeira vez na noite. Ela estava a completa mercê de um desconhecido.

As mãos voltaram a suar como antes. O coração voltou a garganta, impedindo-a de falar. Então ele sentou-se no outro banco, sorriu para ela de um jeito que ela nunca tinha visto antes. Parecia confiança e felicidade. Delilah não sorriu. Ele deu a partida e diriguiu.

- Sabe, Lilah... Eu me sinto bem hoje à noite. Gosto quando estamos só nós dois. Ele sorriu calmamente, olhando-a um pouco. Ela estava entretida com a estrada à frente. - Você gosta de surpresa, certo? Preparei uma. A voz dele era tão animada que Lilah quase animou-se também. Mas não conseguia. O medo havia lhe tomado por completo. Pavor corria em torrente por suas veias.

Lutando internamente, ela respirou fundo o máximo que podia. Não havia decidido tentar? Porque não podia começar? Aos poucos, a auto-confiança lhe voltara e ela sorriu ao rapaz, tirando o franja do rosto com com a ponta dos dedos. Ela voltou no mesmo instante. Não havia motivos para não confiar em Path. Ele era lindo, gentil e seu amigo. Atualmente o único, pelo visto. Além de David, mas ela não queria pensar nele naquele momento. Não quando ela sabia que naquele instante ele deveria estar parado na porta de sua casa com uma pilha de filmes e pipocas. Ele passaria semanas para perdoá-la.

Seu coração estava apertado, Path percebeu. Tomou a mão de Delilah com uma das suas e começou a acariciá-la com o dedo polegar. Ela não sorriu. Ele parou o carro num acostamento. - Virou-se completamente para ela. - Olha aqui Lilah... Se você não quer estar aqui eu vou entender. Não quero que saía comigo por obrigação. A voz dele foi morrendo e perdeu-se naquela última palavra. Por mais que el tentasse desfarçar, parecia realmente triste com tudo aquilo. Talvez ele tivesse planejado aquilo à semanas.

Delilah sentiu-se péssima. Já havia magoado as suas pessoas que se importava em apenas uma noite. Com David não havia mais salvação, mas Path havia. Ela respirou fundo, tomando toda a autoconfiança de antes. Expulsou o medo de suas veias. - Eu não estaria aqui se não quizesse... Eu só... É estranho para mim, Path. Ele mordeu a parte interna dos lábios. - Qual a parte estranha de sair comigo? Ele estava realmente confuso. - Você fuma? Delilah lançou. - Não! Esse carro é do meu pai. Agora que tenho licença posso pegá-lo quando quizer... Ele parou dois intantes. - Ah, entendi. Você acha que não me conhece, certo? Lilah assentiu e ele considerou aquilo.

Tirou a chave da ignição. Guardou-a no porta-luvas. - Então nossos planos parecem ter mudado. Ele sorriu calmamente. - Esta noite, nós dois vamos no conhecer de verdade. Vamos lá, o jogo é o seguinte: Você me faz um pergunta. Então eu responde e depois você também responde. Depois é minha vez. Entendeu? Delilah sorriu. - Você começa. Ele sorriu profundamente animado. - Você tem namorado? Ele sorriu com malicia.

...


Após algumas horas incontadas, ambos permaneceram naquele jogo. Já haviam ido à uma loja de doces próxima e agora estavam sentados no capô do carro, numa rua deserta próxima ao parque. E, após saber que o nome completo de Path era Patrick Henry McLorry, que ele tinha um profundo pavor de gatos, que de timido não tinha absolutamente nada e que já havia se mudado tantas vezes que já não lembrava o nome de metade dos colégio que estudara, pois o pai era militar, Lilah sentiu-se mais próxima dele. Também sentia-se envergonhada de admitir que já comera areia e sabonete quando criança e que parou de dormir com um ursinho velho chamado Mr. Lock à um ano apenas.

A cada nova resposta, o sorriso de Path aumentava - se é que ainda era humanamente possível. Ela também sorria animada. A conversa fluia tão naturalmente que ela quase esqueceu que precisava voltar para casa. - Já está tarde... Havia um peso em dizer aquilo. Path torceu um canto da boca e concordou. - Tem horas pra voltar ou cansou de me contar os seus segredos? Ele sorriu. - Eu também sei o seus, mocinho! Não me desafie! Ela o ameaçou, com um dedo entre os seus olhos, que ele tomou com uma das mãos e puxou para ele mesmo. - Vamos lá, mocinha. Se a polícia nos ver eu posso ser preso. Ambos sorriam.

...


De volta ao carro, Lilah já sequer lembrava porque sentia-se tão amendrontada quando estava com Path na escola. Ela ainda sentia-se nervosa, mas agora de um jeito bom. Seu estômago revirava, ela corava, mas agora podia dizer sinceramente que o conhecia. E ele também a conhecia. Não havia motivos para não confiar nele. Path era mais incrível do que ela julgara. Em dias, aquela fora a melhor noite que tivera.

Path parecia tão animado, tão feliz que mal podia conter-se em si mesmo. Lilah compartilhava aquilo. Só então percebeu que estavam na porta de sua casa. Ele desligou o carro, sorriu para ela, virando-se completamente na direção da menina. Delilah também sorria, mas um tanto pesarosa. Não queria deixá-lo. Ele não queria deixá-la ir, tampouco.

Só então ela percebeu um pequeno brilho que pousara próximo aos olhos do rapaz, quando ele fechou-os por um tempinho. Ele tomou uma das mãos da moça e acaraciou-a com seus dedos.Ele observava suas mãos e parecia tomar uma espécie de decisão, uma pequena ruga pousou entre seus olhos. - Sabe Lilah... Hoje foi uma das noites mais especiais que eu já tive... Ele começou, parou alguns instantes e respirou fundo, parecia tomar coragem. - E, bem, eu sei que parece muito cedo. Cedo demais e eu vou entender se você não quizer... Mas eu andei me perguntando o quão gosto de estar com você, e hoje eu cheguei a plena conclusão de que é maior do que eu pude imaginar. Sabe, eu nunca me senti assim por ninguém. Então... Eu andei me perguntando se...

Ele parou, cravou intensamente aqueles olhos esverdeados nos de Delilah - que naquele momento estava com o coração tão disparado que poderia jurar que poder-se-ia vê-lo atraves de sua blusa - e ficou tão sério quanto conseguia: - Delilah, quer namorar comigo? Então o coração da menina deu um salto e pareceu parar completamente. Ela esquecera como respirar, como piscar, ou qualquer outro movimento motor. Tudo que pairava em sua cabeça eram aquelas quatro palavras que a atingiram como um soco.

Passou-se um minuto. Path abaixou os olhos, ela não havia respondido nada ainda. Parou de acariciar a mão da menina e parecia colocar uma armadura para o que viria. Então Delilah redescobriu como usar seu corpo e suas funções, lançou seus braços ao pescoço do rapaz e beijou-o.

E como em todas as coisas pelas quais se espera por muito tempo, a intensidade dos lábios dele nos seus fora como poder tocar a lua. Todo o corpo da menina buscava-o e ele fazia o mesmo. Seus lábios eram comprimidos contra os dela e ele procurava estreirar ao máximo a distância que os separava, mesmo que ela já fosse bem curta. Pode sentir o toque suave dos dedos dela em sua nuca e colocou suas mãos na curva da cintura da moça, acariciando-a. Seu coração martelava tão alto que qualquer médico teria medo de um infarto.

Aos poucos, os dois pareciam parte de um só organismo. Ele tomou suas mãos e levantou-a pelos quadris. Colocou-a em seu colo no espaço curto que tinha, tendo-a o mais perto que poderia. Acariciou a nuca da moça e desprendeu completamente o cabelo dela, que caiu em ondas sobre seus ombros. Beijou-lhe o queixo e foi para o pescoço, aos poucos descendo. Delilah tinha alguns espasmos e ria-se, sentiu-o em todo seu corpo. - Isso é tão errado, estamos na porta da minha casa. Disse ao ouvindo dele, segurando-lhe pelos cabelos da nuca. Path riu. - Porque você não me solta então. Era a vez dela sorrir. Beijou-o novamente. Não parecia que o soltaria tão cedo.

Todo o corpo de Delilah fora tomado por uma profunda felicidade. Ela precisa registrar uma imagem de seu primeiro ato, daquele primeiro toque tão profundo do que ela julgara ser o mais intenso que teria em toda a vida. Permitiu-se abrir os olhos, rapidamente. Percebeu que ele também tinha seus olhos abertos. Então aconteceu.

Em meio a escuridão do carro e iluminado apenas pela luz de um poste bem próximo, os olhos do rapaz saltaram esverdeados em meio a escuridão, semi-cerrados. As mãos dele seguravam-na em seus joelhos e as dela estava contra o peito do rapaz. Aquilo tudo era familiar demais. Um pavor sem limites correu as veias da menina novamente. Todo seu corpo tremeu e um grito de profundo horror explodiu por sua garganta. Ela estava completamente desesperada.

Soltou-se das mãos do rapaz, abriu a porta do carro o mais rápido que pode e correu, correu para a entrada de sua casa. Ainda pode ouvir Patrick lhe chamar, ainda do carro, assim que bateu a porta, tremendo tanto que mal aguentava-se em pé, subiu as escadas numa torrente e entrou para o seu quarto. Lágrimas lhe vinheram aos olhos, ela sentiu um aperto na garganta. Escorregou pela porta, chorando completamente desesperada. Como ela não reconheceu aquele olhos antes? Ela os reconheceria em qualquer lugar.

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NOTA DA AUTORA: Prefiro não comentar absolutamente nada. Post final será postado amanhã. :*

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