O Tempo, a Casa e a Essência.

11 junho 2010 / Tags: ,


Aquilo não era uma lamentação. Seria covardia demais dizer que o era. Ela tinha absolutamente tudo que precisava em mãos, só ao ponto dos seus dedos alcançarem com o mais leve dos esforços. O que lhe faltava era tempo para desfrutar de tais coisas. E - como se sabe - ele não é tocável, adquirível, comprável. É meio impossível fazer alguma coisa em sua ausência. Como uma mãe para um bebê.


Se pudesse, voltaria ao passado – ele parecia tão doce visto do futuro! Na época em que o tinha de sobra e reclamava; em que o tédio era quase tangível de tão presente; em que o tempo não passava; em que o ócio era o melhor amigo de todas as tardes. Tempos não tão distantes e mesmo assim tão longes. Os olhos quase não mais os poderiam ver e não pareciam querer voltar. Talvez estivessem perdidos nessas estradas tortuosas e estreitas da vida.


Ela talvez nem soubesse mais como aproveitar os poucos que restaram. Não, ela já nem sabia mais. Era só recordar o último fim de semana. Ela decididamente não sabia mais como sair de madrugada sem destino, deitar-se ao lado de alguém querido - ou não - e observar o céu enquanto palavras tolas saíam de sua mente, enquanto conversas que não lhe interessavam eram proferidas e mesmo assim prendiam sua atenção. Ela já não sabia gozar dos seus maiores prazeres.


Sentia que sua própria essência esvaia-se junto com o tempo. Afinal, quem era ela? Já nem sabia responder. Não que já tenha conseguido de um bom modo, mas pelo menos ela tinha alguma idéia. Agora nem isso. Não passava de uma metamorfose diária e adaptável ao meio. Totalmente adepta ao determinismo de Darwin.


Bem... Alguns resquícios sempre persistem, mas e quando eles não são suficientes? Ela precisava contentar-se com aquilo e dá o seu melhor. Ou o seu pior, vai saber. Precisava dizer para si mesma que guardava sua essência em algum lugar dentro de seu corpo.


Precisa-se de uma equipe de busca!
Hemácias ao resgate!
Busquem aquilo que me falta.


Mas ela sabia que não encontraria enquanto tudo aquilo não passasse. Enquanto seus músculos contraíssem de estresse, ela não seria a mesma. Enquanto não tivesse longas noites de sono, pudesse ver o pôr-do-sol da janela do seu quarto, sair sem destino pelas madrugadas, dançar, sentir novamente que a confiança reina ao seu redor, que ela é merecedora dela, saber que havia uma impressão fixa sobre ela mesma perante as outras pessoas e poder desfrutar do ócio da maneira que mais lhe agradava: pensando ou lendo.


Aquela instabilidade estava matando-a aos poucos, todos os dias.


Tudo que ela queria era voltar pra casa. Para dentro dela mesma.

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