Conto I

16 maio 2010 / Tags:


DÁDIVAS & MALDIÇÕES





As coisas tendem ao caos ou a perfeição.

Depende do caminho que se toma.

3 Palavras, 7 letras; podem estragar tudo.




Havia impaciência nos pés delicadamente calçados em sapatilhas vermelhas, pois o tique nervoso era tão evidente quanto à finalidade de um tiro para o coração. De repente eles levantaram, com dedos das mãos cravados firmemente em um jeans escuro e skin. Uma menina bonita, de estatura mediana e cabelos castanhos ondulados erguia-se na mescla de fúria e impaciência. Os olhos castanhos e frios eram sua marca registrada, e estes estavam cada vez mais marcados por este traço ao observar o horizonte vazio de uma janela pela madrugada.

De repente, sacou um celular do bolso. O número discado era um velho conhecido do histórico de chamadas, quase um amigo querido. Quando a ligação completou, o celular do outro lado chamou muitas vezes, até a ligação autodenominasse perdida por falta de reflexo do chamado. Ela sabia – no fundo – que ele não iria atender após o telefonema daquela manhã – o primeiro dos muitos – mas ainda assim insistia. Seus olhos correram mais uma vez para a janela, até encontrar uma nuvem de fumaça passageira. Até que enfim, idiota; pensou.

Em meio à fumaça, andava um corpo magro, de cabelo louro-escuro, rosto bonito e lábios finos. Os olhos dourados já não ficavam vermelhos em meio ao espesso ar ao redor. O cigarro vinha preso aos dedos e quando a menina abriu a porta da frente, o rapaz já havia se encostado à lateral da parede, como quem esperava tedioso: - É feio deixar as pessoas esperando. A voz dele era baixa e grave, e havia um meio pigarro preso a sua garganta, devido à fumaça, mas era incrivelmente bonita. Apesar da grande quantidade de maconha no sangue, o rapaz trazia um sorriso no canto dos lábios. O sorriso mais sincero do mundo.

A menina sequer teve tempo de lhe dizer tudo que tinha para dizer – que decididamente não eram palavras de afeto. Ele logo abriu os braços e aninhou-a entre eles num aperto de urso. O cheiro de cerveja e daquele perfume horroroso que ele usava espalhava-se por cada fibra das roupas quase sufocando a menina, mas ela não se importou naquele momento. Simplesmente adorava quando ele a abraçava daquele jeito.

Quando seus olhos voltaram a encontrar os deles, havia algo no ar. Os olhos dourados do rapaz estavam brilhantes e sorridentes, mas seus lábios mostravam toda a malícia daquele caráter. – Que roupas são essas? Sim, havia um deboche naquele tom. A menina ficou completamente corada, pois havia passado pelo menos meia hora escolhendo aqueles trajes – uma bela blusa de mangas, calça jeans novas e sapatilhas vermelhas com laços -, para que no fim não recebesse sequer um “você está bonita”; deu-lhe um soco no ombro: - Não dê palpite no que eu visto, idiota. Aquela era o tom que geralmente encerava aquele tipo de conversa. Ele sorriu debochado, ela ficou mais corada ainda e mais furiosa que o que julgava ser capaz. Era um elogio, afinal de contas. Mesmo que aquele fosse o jeito mais estranho do mundo de elogiar uma pessoa.

Logo, os dois colocaram-se a caminhar, como o de praxe. Havia silêncio ao redor, mas aquilo não incomodava nem a um, nem ao outro. A sensação de adrenalina ainda pulsava seus corações, fugir era sempre o mesmo prazer. Mesmo que não se esteja fugindo de nada real.

A madrugada cobria o céu com seu leve manto azul claro. O sol não havia nascido ainda, mas breve o faria. – Se isso deve ser feito no nascer do sol, você deveria pelo menos chegar na hora. O sol não espera ninguém. Era mais uma reclamação para si mesma que para o rapaz ao lado, mas ela não deixou de dizer o que sentia. Ele simplesmente deu de ombros e continuou andando. – Bastava você não vir com esses sapatos e chegaremos a tempo, maninha. Argh! Porque ele insistia em chamá-la daquela maneira? Decididamente não caia bem: irmãos. Eles eram SÓ meio-irmãos, porque a mãe dela havia casado com o pai dele.

Observou que os olhos dele cravaram-se nos dela. Aquilo se tornou comum, mas ainda assim não explicava a boa sensação que causava. Deve-se ressalvar que não era nada amoroso, era simplesmente um olho que incitava as segundas intenções, mas mesmo assim fazia o coração da moça pular direto para sua garganta, impedindo o ar de penetrar nos pulmões e deixando-a ofegante. Nesse momento, ela costumava desviar os olhos para qualquer outra coisa.

As ruas estavam frias e o ar era muito úmido naquela hora da manhã. Quase como respirar um copo d’água a cada tomada de ar. O rapaz puxou um trago do cigarro e soltou-o em direção a moça. Ela havia lavado o cabelo antes de sair, mas não deixou transparecer como aquilo lhe irritava. Ignorou-o. Ele o fez novamente. Ela controlou-se. Novamente. Controle, controle. Novamente, então uma explosão. A menina cravou as unhas arrumadas no cigarro que ele levara novamente a boca e jogou-o no chão, com muito ódio. O rapaz olhou seu último cigarro apagado e olhou para ela com olhar penoso. Aquilo era de cortar o coração, mas a menina agüentou firme. Alias, nem tão firme assim. Não quando se tratava dele.

Segundos depois, ela lutava contra um dilema interno. Ela sabia o quão aqueles cigarros eram importantes para ele, de alguma forma que ela não compreendia direito. O desejo gritante lhe dilacerava o coração. Ela queria consolá-lo de alguma forma, mas não podia. Não sabia como. Então, devagar, tomou a mão dele em seus dedos e cruzou-os levemente. O polegar dele passou a acariciar sua mão quase como se esperasse que ela fizesse aquilo a qualquer momento e já estivesse pronto para isso. E ele de fato pensava assim. A menina olhou pra ele. Ele olhou para ela. Ambos sorriram ao mesmo tempo, ela corou, ele abaixou a cabeça verificando se os tênis estavam bem amarrados. Mas eles nunca estavam.

Então um sorriso bobo se formou na face da menina. Era toda vez a mesma coisa: sempre que chegava aquele lugar, ela sorria como idiota. Contudo, era completamente compreensível. Acima de uma colina que rodeava a cidade, existia uma torre de telefonia e um campo verde bem onde a inclinação da colina daria lugar a um grande abismo. Naquela época do ano, flores silvestres floresciam ali e a grama ficava molhada de orvalho aquela hora da noite. Quando o sol nascia – era o primeiro lugar de onde se poderia vê-lo nascer –, as flores acordavam e a grama esquentava. Era um lugar perfeito, mas que quase ninguém o conhecia em toda cidade. Salvo nosso casal.

Mal chegaram e ele já se esparramou pela grama. O fato de ela provocar coceira não parecia importar, pois ele deitou-se e colocou os braços embaixo da cabeça despreocupadamente, fechando os olhos e sorrindo abertamente de algum pensamento distorcido pela maconha. A menina não perdeu tempo e ajoelhou-se timidamente do lado dele. Ele abriu os olhos minutos depois e puxou-a até que ela deitasse, na mesma posição que ele, só que do lado oposto, de modo que suas bochechas colavam-se e ela poderia ver a boca dele antes dos olhos.

E eles permaneceram naquela posição, ambos de olhos fechados, absortos em seus próprios problemas, no meio da grama e do escuro da fria manhã. Aos poucos, os dedos da menina encontraram o emaranhado de fios do cabelo dourado dele. Ela o acariciava. Ele sorria como um gato bobo tendo a orelha coçada pelo dono. Então o dourado aumentou, mas não vinha daqueles fios, vinha do sol.

Primeiro tudo ficava claro, muito claro. O céu tomava um tom azul-anil, mas eles já haviam perdido essa parte. Agora os fios dourados ganhavam caminho pela grama, chegando à todas as flores e desejando-lhes bom dia. Elas respondiam abrindo suas pétalas e pareciam sorrir por mais um dia vencido. A menina observou tudo, sem deixar de acariciar o rapaz. Ele continuava com os olhos fechados e sorrindo. O que poderia ser mais bonito que aquilo? O que poderia ser mais interessante?

Ela colocou o peso do corpo sobre dos cotovelos e parou de acariciar o rapaz. Ficou observando-o. Ela gostaria tanto de saber como ele se sentia a respeito de tudo aquilo, mas sabia que ele nunca lhe contaria. Ela gostaria tanto que tudo fosse diferente. Gostaria de nunca tê-lo conhecido, se possível. Caso não, de nunca tê-lo odiado, de nunca ter contado a eles seus problemas, mesmo sabendo que não era da assistência dele; gostaria de nunca tê-lo pedido para resolvê-los por ela, porque sua coragem de lutar já havia acabado.

Tudo que ela mais queria era não estar bem espiritualmente, graças a ele; de não ter voltado com o namoro conturbado, graças a ele; de ver a mãe tão alegre, graças ao pai dele; de não sentir-se tão bem nos braços dele; de não apreciar tanto aquele caráter horroroso; de não sentir necessidade de esta ali com ele todos os domingos; tudo que ela mais gostaria era de não depender dele para que sua felicidade fosse plena, como naquele momento.

- Eu também... Ele disse, tirando-a de seus devaneios, com sua voz rouca e baixa. Ela tomou um susto com aquela declaração. Ele lia pensamentos agora? - ... gosto de conhecer os detalhes de cada pessoa. Mas não de ser encarado. Disse levantando-se e saindo do campo de visão dela, desbravando seu olhar dos olhos dela. Ela ruborizou no mesmo instante e desviou o olhar para a grama. Pegou um pequeno pedaço e brincou com ele entre os dedos.

Então ela nunca estaria conformada com o que tinha? Porque ela sempre precisava estragar as coisas? Porque pensar nele daquela forma, se a forma perfeita- e ideal – era como estava? Talvez porque tivesse certeza de que a perfeição um dia acabaria, e ela não queria perdê-lo nunca. Já estava mal acostumada demais com todas aquelas regalias. – Que você tem hoje? Tá mais estranha que o normal... Não foi o carinha lá de novo né? Se for eu posso ter outra conversinha com ele e... Ele começou, mas ela logo o interrompeu: - Não é nada. Ele olhou-a e sorriu. – Você sabe que eu te conheço, diz logo, maninha... Ela ruborizou de novo, de raiva e vergonha. Seria o momento ideal para dizer tudo que estava sentindo? Ela o olhou firme nos olhos e decidiu. Quando decidiu finalmente que falaria tudo que estava sentindo, ele teve uma crise de risos e jogou-se de costas contra a grama. Ela suspirou profundamente irritada, é claro que ele estragaria tudo!

- Suponho que toda essa alegria é por causa daquela sinhá lá... qual é mesmo o nome dela? O veneno que saiu da boca da moça não poderia ser pior, ele sabia que era essa a intensão, mas simplesmente deu de ombros. Instantes atrás todo seu corpo congelara, ele poderia jurar que ela iria dizer algo terrível, algo que ambos sentiam, mas que jamais poderiam mencionar um para o outro. Então tratou logo de ter uma crise e interromper tudo. Ele não estava preparado, decididamente.

Obviamente ele gostava daquela moça, mais até do que o que deveria. Mas ele não podia gostar! Ela agora era sua irmã, e ele tinha namorada, e tudo estava perfeito demais para ser real – ou para ser estragado. Ele tinha a incrível mania de por tudo a perder com todos aqueles vícios e falta de virtudes. E afinal, ele se perguntava, o que levava uma menina como aquela a gostar de estar com ele? Certo que ele resolvia todos os problemas em que ela se metia, mas isso não lhe tirava o posto de drogado e má companhia. Ela gostava de ler e de música clássica, e ele mal lembrava a ultima vez que folheou uma revista. Ele não sabia do que se tratava o filme preferido dela e sabia que nunca poderia oferecer uma conversa agradável sobre os temas preferidos dela. Ele discordava da maioria das coisas que ela dizia. E mesmo assim, ela continuava ali, ao seu lado.

Mais de uma vez, ele pensou em colocar tudo para fora. Dizer absolutamente tudo, mas sabia que se o fizesse, perderia para sempre aquela menina. E ele não estava disposto a perdê-la. Nunca. Então ele calava-se a qualquer menção daquela situação. Preferia não dizer o quanto ela estava bonita e o quando ele gostava de estar com ela. Gostaria de pedir desculpas pelo atraso, pelos cigarros, pelo perfume, pelo carinho, pelo silêncio. Mas nunca o fazia. Então ele colocou seus olhos no sol o Maximo que conseguiu e a viu fazer o mesmo ao seu lado. Ele a viu tão furiosa e tão triste ao mesmo tempo que sentiu seu coração partir, mais uma vez. Precisava fazer algo urgente! E a única solução que encontrou foi colocar seu braço sobre o ombro dela e bagunçar seu cabelo.

Ela acabou sorrindo e empurrando-o. Ele havia acabado com um penteado de alguma horas de arrumação. Ou talvez duas escovadas, ela não precisava de muito para ficar realmente bonita. – O sol não tem culpa dos seus problemas, maninha... E ele sorriu olhando nos olhos. – Eu sei... Ela já parecia mais animada. – Então sorria... E não esqueça que eu te amo; completou em pensamento.

- Eu vou sorri quando eu quiser... E deu uma risada prazerosa, eu sempre irei sorrir quando você estiver por perto, pensou ela, e há propósito: Eu te amo.

•••


NOTA DA AUTORA: Antes de mais nada, obrigada por chegar até aqui; sei que o texto ficou bem extenso, mas não sei escrever poucos então fica assim mesmo.

Este é um dos muitos contos que já escrevi, e antes que pergunte: não, a menina do texto não sou eu. É apenas uma personagem; o conto pode  parar simplesmente por aqui, ou pode ser que eu queira continuá-lo, depende muito do meu estado de inspiração. Agora prefiro deixá-lo assim.

Então, até breve queridos ;]

6 comentários:

  1. Tenho orgulho de tih minha irmã'zinha!!! te amuh muitoo!!!! sz

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  2. não vai negar que tem um pouco sobre ti :)


    Também me orgulho!
    A♥L♥I

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  3. Nossa, que lindo! Praticamente senti o sol nascer! Eles precisam de mais o quê para se declararem! ai, Ilzy vc e suas histórias mal contadas....

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  4. Caraca, muito bom! Tu escreves muito bem, mesmo! E todos os detalhes, a construção das personagens é perfeita, a descrição do ambiente. Sério, só quem tem o dom pode escrever assim.
    Aliás, sem querer fazer propaganda, mas no meu blog de contos (www.amor-cafe-cigarros.blogspot.com) tem um bem parecido com esse. Mas mais curto e menos detalhado. Sei lá, é o meu estilo. Se quiser ler, é o "Três anos".
    ^.^
    Parabéns novamente, e já sou fã. Bjs

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