Aquele era o melhor dia do ano.
A diarista cujo nome ele nunca perguntou havia deixado tudo limpo para a ocasião. Pôs margaridas num velho vazo quebradinho no fundo, lustrou os móveis e os talheres - aqueles herdados da avó que só saiam do armário em dias como esse - e deixou a casa inteira cheirando a uma mistura agradável de limão - do chão - e creme de camarão - da cozinha.
Ele esperava que ainda gostasse de camarão.
Ele esperava pelo convidado.
Esperava.
Esperava sentado à mesa retangular que ficava em frente a cadeira vazia do outro lado. Encarava o muro de tijolos desgastados do fundo do prédio ao lado do seu, desses prédios sem nenhuma janela para espiar uma vizinha mais nova, uma briga de casal ou a paciência que só os velhos lendo livros antigos parecem ter.
Ele esperava ser um desses velhos cheio de paciência.
Ele esperava a tempo demais.
Esperava.
Aquilo já estava mesmo estranho. Atraso não era do feitio do convidado. Ou será que naquele ano ele tornou-se alguém atrasado? Seriam filhos para pegar na natação? Ou a esposa que não o deixara sair antes de um último beijinho que resultara na prisão em um engarrafamento?
Ele esperava que a esposa fosse bonita.
Ele esperava a tanto tempo que perdeu as contas.
Esperava.
Desistiu da mesa, sentou-se no sofá com a garrafa de vinho que seria do jantar nas mãos e os cigarros que fumava desde adolescente. Não deu-se ao trabalho de pegar uma das taças. Já passava da meia noite e nenhuma notícia do convidado. Com o conteúdo da garrafa no meio e os cigarros pela metade também, o homem começou a pensar se talvez aquilo não fosse loucura da sua cabeça o tempo todo e agora estava curado.
Era mesmo aceitável pensar em loucura, mas o fato aconteceu de verdade. Desde o aniversário de 20 anos, ele recebia a visita de si mesmo do ano depois aquele. Sim, loucura, ele sabia. Mas, era verdade. Todos os anos desde aquele aniversário que passara sozinho aos 20, depois de mudar-se para aquela cidade onde não tinha amigos, nem família, nem conhecidos.
Estava sozinho naquele dia em questão, como em todos os outros. Preparara um jantar de comida congelada e um pack de cervejas para comemorar, depois de receber algumas parabenizações em redes sociais, as quais mal usava e também não pretendia responder. A mãe havia ligado a pouco com um parabéns e uma conversa breve, do pai recebera um murmuro e da irmã não sabiam notícias, estava na rua, divertindo-se sabe sei lá com o que os jovens se divertem nesses dias.
Assim, por volta das 8 da noite, em horário de verão no período em que o sol ainda terminava de descer no horizonte deixando um rastro laranja e rosa por todo o céu daquela cidade sem vida, ele escutou da cozinha o chacoalhar de chaves na porta. Não esperava ninguém naquele dia e, claramente, ninguém mais tinha a chave além dele. Pegou uma faca que ficava próxima ao balcão.
Imagine o leitor qual foi a surpresa do homem quando viu que alguém com o seu cabelo, sua camisa favorita, uma calça a qual não lhe servia mais e os tênis de corrida que nunca foram usados pra isso entrou na casa.
- Q-quem é v-você? - perguntou com a voz trêmula demais para ser levado a sério, mesmo com a faca na mão. Calmamente a figura trancou a porta novamente, colocou as chaves onde ele sempre colocava ao chegar e virou-se para ele. Era como olhar no espelho uma versão melhorada de si mesmo. Um espelho para ver o universo paralelo onde uma versão dele dera certo. O homem tinha o rosto corado, saudável, um porte bem maior que o dele e uma barriga bem menor. As roupas lhe vestiam bem. Os tênis, porém, pareciam gastos. - Eu sou você - disse, calmamente o homem, sorrindo para ele. - Quer dizer, você daqui um ano.