Leia hoje: Mate-me quando quiser - Anita Deak

FICHA TÉCNICA: 

TÍTULO: Mate-me quando quiser  | AUTORA: Anita Deak | EDITORA: Gutenberg | PÁGINAS: 248
Exemplar cedido pela editora

Ah, Barcelona! 

Quais olhos pousam ou sonham contigo sem desejar viver mil amores entre tuas sacadas e ruas góticas? Ou ter os cabelos levados pelo teu vento acolhedor? Ou, quem sabe, por um charmoso e fogoso espanhol? A cada descrição parece que é ideal pra qualquer coisa: amar, conhecer gente nova, deliciar-se com a comida local e até mesmo morrer. 

Literalmente, às vezes, como é o caso da Mulher.

Sim, morrer. Pois esta turista, decidida a dar cabo da própria vida, contratou Soares para lhe fazer este favor. Mediante dinheiro, claro. E algumas condições. A primeira é de que não deseja saber quem ele é. A segunda, que ele deve cumprir o acordo num prazo de 4 meses. A terceira é que o faça o mais breve possível. 

Mas, se o leitor desavisado pensa que este é um romance qualquer, está bem enganado. Há bastante amor pelas suas páginas, embora tenha como mote a morte de alguém, mas nenhuma delas é óbvia ou previsível. 

E tudo surgiu num restaurante típico. Surgiu porque Soares não foi rápido o suficiente em seu trabalho e deixou-se envolver no porque ela encomendara a própria morte, deixando a Mulher ter tempo de seguir um Homem atraente que almoçava no mesmo local que ela. Descobrir também o terrível segredo do Homem: ele era casado com duas mulheres. Uma Loira e uma Morena. Ambas muito opostas a outra e com um filho cada. 

Todos eles e suas histórias passeiam pelos nossos olhos através das páginas e fazem desejar que não acabem tão cedo. Os desentendidos, as omissões, os sonhos com a mãe morta, os desejos reprimidos ou não e as várias interpretações que cada caso exige fazem dessa história um daqueles livros urgentes na estante. É preciso urgencia para lê-lo. É preciso lê-lo agora. 

Antes que se passem quatro meses.

Antes que o prazo se encerre.

EXPERIÊNCIA DE LEITURA

Não gosto de comentar a experiência de leitura falando sobre o autor logo de cara, mas a primeira coisa que me vem a mente quando penso nesse livro é: que voz literária apaixonante! 

Custo acreditar que já no livro de estreia a Anita tenha um jeitinho só dela de escrever tão marcante. Os capítulos curtos, as construções de frases, o modo de levar a narrativa, a não-nomeação dos personagens, tudo isso vai cativando aos poucos quem o inicia sem muitas pretensões ou quem, como eu, criou bastante expectativa e teve todas elas supridas. Devorei o livro em algumas horas. Marquei várias frases (olha que nem sou de fazer isso) e decorei algumas para levar pra vida. Vi epifanias no livro inteiro. 

Além do cargo chefe da leitura (a escrita da autora) o livro já fisga nas primeiras linhas com a mensagem enviada para Soares pela Mulher, cujo nome não vamos saber durante toda a leitura. Aliás, nem dela nem do Homem, da Loira ou da Morena. 

O desenrolar da trama tem uma característica marcante: capítulos narrados com aquilo que precisamos saber, sem enrolação ou floreios desnecessários. Talvez característica da profissão da autora, que é jornalista premiada com passagens por grandes jornais nacionais.

A construção dos personagens permite empatia, assim como provocam seus instintos e várias dúvidas: o que é certo e errado para cada um de nós? Somos naturalmente monogâmicos ou isso não passa de uma construção do Superego que a sociedade nos impõe? A felicidade pode existir de quantas formas? Aliás, ela mora nos filhos, na carreira ou na própria vontade de viver? Amo livros que me fazem refletir e esse é sem dúvida um dos queridinhos da minha estante.

A edição é linda e me surpreendeu quando abri o pacote. Tem um aspecto envelhecido. A capa trás uma imagem de Barcelona, além de carimbos e o verso um postal com a mensagem da Mulher para Soares, com selos em alto relevo e tudo mais. Simplesmente lindo! Por dentro o livro não deixa a desejar também, com uma página grossa e boa de manusear, espaçamento confortável e sem erros ortográficos (pelo menos na minha leitura não achei nenhum).

Indico o livro para quem gosta de vozes literárias marcantes (vide Machado de Assis, Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu) e para aqueles abertos o suficiente para entender o Amor e essa peculiaridade que é viver em favor do acaso. 

CITAÇÕES PREFERIDAS

"Não se pode amar pouco a si - que é para não buscar no outro a aprovação que não setem internamente.; Nem amar-se demais - que é para não ver só a si ao olhar para o outro."

"Falar é sempre uma forma de esconder aquilo que se pensa."

"Se entre o querer e o poder existem léguas de distância, o menos as distâncias subentendem caminhos que lhes diminuam."

"No fim, todo mundo é muito mais sozinho do que gostaria de admitir."