Assédio nosso de todo dia

27 janeiro 2015 / Tags:


Sol forte de meio dia e pouco. Carros em fila buzinando uns para os outros. Pessoas tentando achar a sombra mais próxima. Sigo reto meu caminho como todo dia. Não mais que de repente, escuto do carro ao lado um "Ei! Me dá teu telefone!". Assim mesmo: uma ordem. Não olhei nem pro lado, mas sabia que era comigo. Eu não faço ideia de quem seja o sujeito. As pessoas que passavam na rua olhavam pra mim e julgavam como se eu fosse a errada. Ei, eu não estou errada por gostar de calças skinny e batom!

- Anota aí, 666-vá-pro-inferno!

Tenho quadril, bunda e pernas enormes. Vocês já devem ter visto em alguma foto por aqui. Particularmente acho feio. Preferia algo menor, mas nada muito fino. Existe academia reversa pra diminuir as cochas? Me avisem, estou precisando.

Apesar de não ser meu padrão de beleza pessoal - afinal gosto é gosto e merece ser respeitado - não me sinto mal com meu corpo e de uns tempos pra cá tenho ficado bem amiga da vaidade. Meu problema começa bem aí. 

Gosto de me sentir bonita, isso me deixa confiante no trabalho e na vida e me arrumo exclusivamente para mim, segundo meus gostos. Se os outros gostam também, é um bônus, mas não um direito. Eu sou a única detentora de poder sobre o meu corpo. Mas, as pessoas, especialmente os homens, não parecem compreender.

Sinto o vômito no começo da garganta quando lembro de um homem que, por duas vezes, chegou muito perto de mim enquanto caminhava na rua pra dizer "Gostosa" baixo no meu ouvido.  Sinto o vômito no começo da garganta quando alguém se sente no direito de me gritar um assédio disfarçado de elogio. Sinto o vômito no começo da garganta quando escuto uma buzinada de um caminhão quando estou indo ao supermercado. Sinto o vômito no começo da garganta quando percebo que muito homens estão olhando da minha cintura pra baixo quando passam me olhando, inclusive conhecidos. E me sinto pior ainda de saber que não sou a única a ficar com medo e cabisbaixa andando pelas ruas. 

Ei, favor olhe nos meus olhos quando for me olhar! Ei, tem uma cabeça aqui em cima que pensa e sente. E se ofende quando é definida apenas pelo tamanho da cintura, da barriga, das pernas. Os três livros na minha bolsa dizem mais sobre mim que o tamanho da minha saia. A minha calça não é um convite, meu batom não é um convite, meu top cropper fora da saia não é um convite.

Mas, se eu pudesse convidar para algo a todos os homens que de algum modo me assediaram seria a pensar que o que as mulheres que eles amam achariam das coisas que eles me falam ou do modo como me olham. Sua filha de 9 anos acha gostosa um elogio? Talvez porque de muito cedo nós aprendemos que não é. 

Não sou eu quem preciso cobrir meu corpo. É você quem precisa cobrir esse machismo escancarado. Esse desrespeito com as mulheres, sejam elas quem for. Por mais que tenhamos avançado nessa discussão, a realidade das mulheres que enfrentam as ruas todos os dias mostram que ainda falta um longo caminho a percorrer.

Minhas pernas continuarão à mostra. 
Meu grito de chega também. 

2 comentários:

  1. Não importa como estejamos vestidas, sempre haverá alguém para nos assediar. É algo extremamente nojento e infelizmente, ainda vivemos em uma realidade onde o machismo grita muito alto. E não é só no assedio, mas na forma que todos estão acostumados a ver a mulher. Sempre que eu vejo alguém com um comportamento assim pergunto o que ele acharia se fosse a filha ou irmã dele. As pessoas nunca se colocam no lugar das outras, nunca imaginam como seria se fosse com alguém próximo delas. Enquanto isso, nós tentamos viver em um mundo onde não podemos usar o que gostaríamos, não podemos agir da forma que gostaríamos, porque acham que é motivo para nos assediar ou pior, estuprar. Eu tenho um corpo parecido com o seu e já me privei diversas vezes de usar determinadas roupas em determinados lugares e até já ouvi as amigas perguntarem: "uê, você de calça nesse calor. Sempre te vejo com as pernas de fora!". Foi aí que percebi que não deveria me privar, morrer de calor usando calças para me proteger de pessoas que acreditam que possam mexer comigo. Eu também tenho voz para lutar contra esse machismo horrível. Amei o post, Ilzy <3

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  2. Texto muito bem escrito e estruturado! E o pior é saber que tem lugar onde esse tipo de coisa é ainda muito pior do que aqui no Brasil. Minha irmã está fazendo intercâmbio no Quirguistão e, na primeira vez que ficou a sós com a host, ela foi sussurrando perguntar: "é verdade que no Brasil as mulheres não-virgens ainda podem casar?".

    The Fat Unicorn

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