Dê lembranças aos devastados

20 agosto 2011 / Tags: , , , , , ,


Dedicado à tudo aquele que se sentir sem voz nesse mundo torto.
Pra ouvir: The Cave - Mumford & Sons

Dessa vez, ninguém levou celular. Quase um pedido silencioso de que não se deveria incomodar. Ninguém foi convidado, tampouco, mas estavam todos lá. Como que uma daquelas idéias que não precisam ser comunicadas, uma a um foram chegando e empoleirando-se como pássaros nas janelas gastas do velho e conhecido casarão da rua. Aqueles pombos sujos e suas bebidas, suas músicas estranhas e seu riso alto demais na madrugada, pensariam os vizinhos, mas não havia ninguém ali.

Não mais.

As máquinas descansavam no fim da rua. Teriam um dia agitado amanhã. Eles riam mais baixo quando as olhavam, pra não despertá-las. Não havia música desconhecida dessa vez. Ninguém ali queria vê-las trabalhando, apesar de saber que na segunda, as oito em ponto, tudo que um dia fora verdade e morada, seria apenas lembranças.

Pra que diabos as pessoas precisam de tantos shoppings?!

Já não havia lojas suficientes nessa cidade? Pra que outro maior se quase ninguém tinha dinheiro pra ir aos que já havia? E porque justo aquela rua? Justo aquele casarão? Porque atingir logo os devastados? Que esses porcos capitalistas gastem seu dinheiro e suas vidas vazias em outro lugar, não no cemitério das lembranças alheias.

Esses palhaços que armem seu circo em outro lugar, pensarão e sabiam disso, mas ninguém disse nada. Uma pena que não era escolha deles. Porque devastados não tem voz num mundo onde o dinheiro vale mais que a vida de cada um. Mas, eles eram apenas isso: Devastados. Desses que gostavam de andar com outros devastados. Desses que trazem bebidas, música e um milhão de pedaços de alma pra colar, de lembranças quase destruídas, amores tortos, de idéias inovadores e sorrisos bobos de álcool.

Ninguém liga pra o que você pensa e agora é hora de ir. Antes que os seguranças e seus cachorros venham e te expulsem do teu lar. Um a um, assim como chegaram, desceram da janela. Um a um tomaram um rumo diferente daquele que costumavam tomar. Um a um pararam no fim da rua e ficaram olhando. Os quatro olharam o casarão, cada um embaixo de um poste de luz amarela nojenta, sentindo um frio diferente em seus casacos. Um a um eles choraram.

Em cada canto da rua que não existe mais, há uma lágrima de um devastado.


Nessa Terra de Gigantes, que trocam vidas por diamantes.
A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes.

9 comentários:

  1. Mais uma vez você usou as palavras certas para escrever um novo conto. Adoro o jeito que você descreve, escreve, conta e sonha.
    Muito obrigada por me dar a chance de ler algo tão bom e ao mesmo tempo tão tocante.

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  2. Muito perfeita! Adorei o jogo com as palavras!

    Aguardando o livro, hein Ilzy!!! Beijo beijo

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  3. transformar a desgraça em beleza é a coisa mais bonita que um escritor pode fazer, na minha opinião. nesse texto, voce fez exatamente isso. e é maravilhoso.

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  4. É sempre bom ler um texto com um toque de indignação, torna a história mais real. Muito bom o conto.

    Ps: desculpa pela ausência, mas eu ainda sou viciada nos seus textos *-*

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  5. "Nessa Terra de Gigantes, que trocam vidas por diamantes. A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes." Lindo!! *---* Seus contos são tocantes! Adorei!

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  6. Adoro o seu blog e esse é um dos meus contos prediletos. Estava escutando Charlie Brown do Coldplay e lembrei dele na hora. Parabéns pelo blog.

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