Uma Carona

05 fevereiro 2011 / Tags:


Uma chuva forte fustigava aquela avenida desconhecida, cercada de árvores altas e um asfalto muito gasto. O vento - que de tão forte, lançava as gotas de chuva para a direita – trepidavam as vestes de quem por ali passasse, mas não havia ninguém... Exceto a figura de uma menina. Imóvel debaixo de uma luz fraca vinda de um poste próximo à parada de ônibus. A julgar pelo seu olhar vago, ela não parecia muito ciente de onde estava ou simplesmente ignorava tudo ao seu redor. Ou talvez as duas opções.

Ela não procurava proteger-se da chuva. Colocou sua mão estendida pela estrada, o polegar inclinado levemente para a esquerda. Estava pedindo carona numa rua deserta e chuvosa. Ninguém iria passar naquela avenida, pelo visto... Foi quando ela já ia baixando a mão - depois de muitas horas na mesma posição - que surgiram dois focos de luz.

Era uma luz fraca e quase imperceptível em meio da chuva forte, mas lá estava. O carro - ela não conhecia carros, logo não sabia o modelo ou o ano, e a chuva forte não ajudava - parou à sua direita. Dois senhores de idade e um menino pequeno - de uns 5 ou 6 anos - olharam para a imagem da menina na chuva.

A senhora foi a primeira a falar: - Para onde está indo, moçinha? Num gesto simples, a menina indicou a direção, falando num tom áspero e sem emoção algo como estação rodoviária. A senhora fez um gesto de que entendeu e continuou - Também estamos indo naquela direção, quer uma carona? Sem hesitar ou responder, a menina entrou no carro, colocou seu saco de viagens entre suas pernas e permaneceu ali imóvel.

Primeiro a senhora apresentou-se como Mabel, depois apresentou o marido Joseph e o menininho como Brandon. Disse que estavam voltando de uma semana de lazer e perguntou de onde a menina vinha. Obteve como resposta um olhar vago e um dar de ombros.

Nenhuma outra tentativa de conversa durou mais do que isso. O senhor que dirigia fez a gentileza de ligar o ar quente e as gotas que pingavam do cabelo da menina cessaram. O tempo todo, ela olhava pela janela, mas não parecia ver nada.

Você perdi a voz após cometer um assassinato.
Mesmo que tenha sido sem querer.

10 comentários:

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  2. lendo nas entrelinhas, talvez até o interpretando de um jeito torto, tocou de uma forma realista; não é preciso matar uma pessoa de carne e osso para se sentir feito uma assassina. perfeito.

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  3. Uaal. Parece o prólogo de um livro, daqueles bem intrigantes que vc não para de ler enquanto nao chega ao final. Perfeito, como sempre.

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  4. Que texto lindo. :) Eu gostei, sério. E que bom que te lembrou a mim, Ilzy. Seu blog já está nos meus favoritos e lerei mais textos assim que tiver disposição para comentá-los e tempo. Gostei mesmo desse, uma pena que não teve mais detalhes do assassinato nem nada. Continue, sua linda.

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  5. pelo final eu não esperava. mas foi esse final meio chocante que completou um conto perfeito <3

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  6. Gente, quê isso?! Choquei o final foi brilhante! Parabens!

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  7. "Você perdi a voz após cometer um assassinato.
    Mesmo que tenha sido sem querer."

    Acho que não precisa dizer mais nada.

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  8. Boa tarde, reli o conto para entender melhor as entrelinhas, o que se ficou por dizer, o que precisava conversar. Souber bem explicar o silêncio é uma arte. Algumas realidade são assustadoras demais vivenciar, mas mesmo em situações limites terminamos recebendo ajuda de formas inesperadas, como a ajuda do casal com a menina. Não precisavam dizer nada porque o silêncio ja dizia muito, sereno abraço!

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  9. essa menina sempre deixa a gente com gostinho de querer mais e mais :X

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  10. Como assim? Que final foi esse? Quero mais texto! rsrs Gostei do conto. :)

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