Therese

02 outubro 2010 / Tags:



Estava ali tão próximo que facilmente podia sentir a respiração dele queimar-lhe as bochechas, fazendo seu sangue ferrer em cada veia, cada artéria. O relógio bocejou. Parecia que não estava querendo passar o próximo minuto, o tão esperado próximo minuto.

As mãos dele ainda faziam seus dedos dançarem por entre os dele como nos últimos tempos em que se conheceram. Mania prazerosa essa. Mas agora parecia lhe ajudar a decidir alguma coisa, enquanto seus olhos verdes-bruxuleantes naquela meia-luz observavam a dança. Então ele decidiu, voltando o mar verde numa onda à ela.

Os olhos castanhos-latinos dela esperavam ansiosos. Ele não disse nada, e ela agradeceu. Ele simplesmente o fez. Segurou-lhe firme pelo queixo e a puxou para o campo magnético que tinha ao redor de si - do qual ela nunca conseguiu fugir.

Beijou-a, como a quem beija o amor de sua vida. E talvez ela o era. Ela realmente gostaria de acreditar que o era. Ela lhe puxou pela cama onde estavam sentados. O dorsel caia ao lado, a iluminação perfeita. A bagunça ao redor era quase perfeita, ventilador do teto era pregiçoso na medida certa. O melhor ângulos dos dois. Tudo feito para ser eternizado.

- E... Corta! Disse o sotaque francês do Diretor. - Ótimo Therese e Henry, Meus Parabéns! Ele parecia tão animado com as imagens que tinha que mal olhou a bagunça que se fez na equipe. Era a última cena a ser gravada e tinha ficado perfeita de primeira, todos aplaudiam animados. Henry saiu de cima de Therese e sorriu calorosamente olhando a nos olhos, ainda por dois minutos. Todos estavam animado, ele deu um soco no ar e contentamento.

A única que não parecia nem um pouco alegre era Therese.
E ela tinha motivos.

Levantou-se da cama sem fazer barulho. Recebeu parabéns por onde passou. Tapinhas nas costas. Sorrisos abertos. Apertos de mão. "Ela foi incrível!Melhor atuação de todas..." escutou a camareira comentar com a maquiadora. Não teve uma reação sequer a nenhum deles. Tudo que queria era achar o corredor.

E o encontrou. Frio em suas paredes de metal, barulhento pelo bater dos seus saltos apressados. No final dele, já estava correndo. "Não vou chorar, não vou chorar!" Ele dizia para si mesma, embora soubesse que não era tão forte assim. Encontrou uma porta conhecida e bateu-a atrás de si com tamanha força que uma estrela dourada caiu no chão. Quando parou de tremer, lia-se seu sobrenome, depois o nome.

Costume americano.
Malditos costumes americanos!
Malditos americanos e seus olhos verdes bruxuleantes à meia luz!

Observou as luzes quentes do camarim ao redor do seu espelho, observou a própria imagem e quiz cuspir. Em todos aqueles anos, o trabalho sempre lhe foi uma paixão. Aquilo que lhe completava o vazio de todos nós. E bastou dizer sim ao que lhe parecia o melhor de todos, para que tudo desmoronasse.

Ele não era especial, nem um bom ator, apenas um rosto marcado e dos ombros largos definidos. Tinha a maldita mania de não decorar as falas e de flertar com as camareiras e maquiladoras, e qualquer outra que usasse saias. E era perfeitamente apaixonante com aquele sorriso torto de covinhas e ar de quem irá esvair-se com a fumaça ao redor dos estúdios.

Completamente apaixonante.

"Maldito seja!" Ela gritou em sua mente, antes de sentir aquela dor incômoda no fim da garganta das garotas fortes que não choram. Sentiu o gosto de lágrima bem lá no fundo. Era por ali que ela costumava chorar. Garotas fortes não choram pelos olhos. Observou novamente o reflexo de si mesma, e sentiu nojo de sentir toda aquela explosão dentro de si apenas de imaginar os últimos minutos.

Tudo que ela queria agora era ir para casa. Aquela casa na colina esverdeada onde sua mãe gritava seu nome milhares de vezes, dizendo que o campo era perigoso. Tudo que ela queria era o colo de sua mãe após uma picada de abelha.

Porém, Mamãe não estava mais ali.
Não havia mais casa na colina.
Nem abelhas que quisessem lhe picar.
Tudo que havia era coletivas, pessoas fotografando cada detalhe e ele.
Embora ele parecesse dominar tudo naqueles tempos.

Escutou a porta ranger, enquanto via seus olhos marejando. Mal pode perceber quem era, apenas sentiu invadir-lhe o peito o perfume conhecido. As veias borbulhando novamente. Francês, forte, fatal. - Therese? E lá estava ele, observando-a confuso a expressão que ela fazia pelo reflexo do espelho. Com um buque de rosas vermelhas enorme. - Não me decidi entre margaridas ou rosas... Nem sobre qual local jantaremos. E sorriu torto. Era um convite. O jeito estranho dele de convidar.

E ela já sabia o final daquela história.
Jantar, sorriso, "eu adorei as rosas", "que tal um café (da manhã comigo)?".
Beijos, "você é tudo que eu sempre quiz!", suor.
Depois um bilhete sobre os lençois brancos do hotel dizendo que não pode ficar.

Ela engoliu o choro e sorriu.

"- Prefiro Margaridas. Prefiro convites. Prefiro pessoas que saibam atuar histórias àqueles que atuam para conquistar corações por três ou quatro horas num hotel. Prefiro casas em colinas à enormes mansões. Prefiro qualquer coisa à tudo isso que não me completa!" Então ela abriu os olhos e deixou a imaginação de lado. - Qualquer lugar está ótimo, Henry. Sua voz ra um soprano doce.

E ele ofereceu-lhe o braço. Ela aceitou, e aceitou todo o resto. Sabia que ele não seria seu. Não era do tipo de homem que era de ninguém. Mas, ela o aceitaria todas as vezes que ele quisesse fingir que um dia fora todo seu.

Paixão latina e ardente é assim.
Sem explicação.
Therese sempre amou assim aqueles que nunca a completaram de verdade.

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