Sobre casarões, corujas e coragem.

25 junho 2010 / Tags:




PARTE I




Dedicado à Thamires e Amanda,
Fiéis seguidoras de meus contos desde o princípio.




Soava o badalo dos sinos sempre às cinco da tarde. O crepúsculo era cortado pelo som agradável daquela ocasião. No céu, uma coruja parda voava sempre naquela hora: ela morava na torre da igreja e, de perto, o badalo não deve ser tão agradável assim. Naquele instante, seu local predileto era um velho casarão da cidade que ficava a algumas asas dali. Sua companhia era um tanto inusitada, mas logo falaremos dela. Primeiro, o casarão.

Era conhecido pela imponência de sua construção. Grandes palmeiras reais transmitiam sua grande virtude: aquela era uma casa grande em todos os aspectos, desde o jardim aos quartos, das histórias à fama. Era de um branco gelo e de um vermelho-vinho bonito nas bordas das fachadas trabalhadas à mão e ao gesso e todos os três andares tinham sua peculiaridade. O verde se espalhava pelo vasto jardim da frente, pelos bancos de mármore colocado no jardim e até mesmo pelos vasos de grandes e velhas videiras que caiam de um andar até o outro. O teto era um triangulo de madeira e telhas brancas. Aquela era uma bela construção no meio de uma cidade cheia de prédios.

Mas... Não, ele decididamente não tinha uma boa fama naquela rua.
Nem em rua alguma da cidade.

Segredos. Neste caso, que se espalhou por todo lugar, por todas as mentes e continua pairando pelo ar da cidade mesmo tantos anos depois, na densa onda de calor que se alastra por ali todos os dias. E ele começa mais ou menos assim: O Barão, dono daquele e de muitos outros casarões da cidade e além, era um homem gentil e respeitador, conhecido em toda cidade por suas virtudes. Sua esposa era uma boa mulher e uma ótima mãe. Seus filhos, um exemplo a ser seguido por todos os jovens da região. Então - ninguém sabe ao certo porque - certa vez houve uma sangrenta noite naquele casarão. Todos morreram de um jeito brutal. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Só se sabe que desde então ninguém mais entrou na casa.

Até aqueles dias, pelo menos.

Havia fantasmas ali, era o que todos afirmavam, e o que os estranhos acontecimentos comprovavam. E acreditem, as línguas estavam certas. E sim, isso até hoje assustas as pessoas, mesmo parecendo clichê ou piegas como para muitos dos pensadores.

Bem... De uns tempos pra cá, eis que surgiu uma exceção. Uma figura poderia ser vista sempre as cinco, caminhando em direção aquela casa bonita entre os prédios cinzentos. Vestia jeans surrados, tênis gastos e um t-shirts mal ajustada ao corpo magro. Os cabelos de um vermelho característico estavam presos num rabo-de-cavalo frouxo e mal feito e a franja era colocada de um lado, onde não impedisse a visão tal era seu tamanho. Era a encarnação do desleixo. E também da coragem.

Então, como de costume, naquele dia seus passos airosos esquadrinhavam a rua. Seus olhos verdes frios fitavam apenas seu destino e nada mais. Ela chegou ao imenso portão de ferro, revirou o pouco traseiro do jeans e puxou de lá um enorme molho de chaves. Como já sabia de cor, pegou apenas a mais velha de todos e o abriu, deixando-o entreaberto mesmo. Quem mais, se não ela, entrava ali?

Seu rosto pareceu iluminado por alguma coisa. Um sorriso? Quase isso. Seus passos foram mais rápidos, como se asseassem por algo inevitável, algo pelo qual buscavam. Abri a imensa porta de carvalho do térreo e subiu as velhas e barulhentas escadarias de madeira da casa numa torrente. Havia poeira no ar, quase tocável, vista através da luz que adentrava ali pelas frestas da madeira velha.

Chegou ao primeiro patamar com os pulmões na garganta, tamanha era sua pressa em atravessar logo aqueles lances de escada. E logo foi completamente tomada pelo frio e pelo arrepio. Era como atravessar um chuveiro gélido, mas sem se molhar. E depois do susto, ter uma figura realmente estranha a sua frente não ajudava em nada na diminuição da pressão arterial.

Era um ser belo e amedrontador. De olhos profundos e vestido manchado de sangue. De traços delicados e rosto em forma de coração. E neste mesmo local havia uma enorme marca de um tiro em uma das têmporas, mas ela ainda parecia muito angelical quando sorria daquele jeito. Sim, sorria.

Uma risada feliz e animada. - Ele esta lá em cima. Foi tudo que uma voz que mais parecia estar dentro da cabeça da menina que saindo dos lábios finos e trincados da mulher dizia. - Ora, mas você sabe disso não? Outro sorriso e ela desapareceu ruma as escadas. Não necessariamente tocando seus sapatos antigos nos degrau.

A menina ficou rubra, odiava quando aquilo acontecia: primeiro, porque era falta de educação e, segundo, porque era a pior das sensações dentro daquela casa. Aliás, a única situação ruim. Ela deu de ombros. Aquela era Anita e ela era sempre encantadora. Mesmo quando atravessada por um humano de surpresa.

Seus pés voltaram as escadarias, com pressa e nervosismo dessa vez. No segundo andar, mal pode ver enquanto passava por uma das portas. Dentro de uma das salas um duelo mortal era travado por um senhor idoso e robusto e dois rapazes com espadas. Um deles tinha a cabeça tendendo para um dos lados como se decepado e o outro uma espada cortando seus intestinos. Todos riam alto, e ela até pode escutar um: - Olhem! É a Alex! Mas não voltou para confirmar.

Era o último, enfim. Ela logo estaria lá. Estancou. Seu coração de repente disparou, todos os seus ossos pareciam congelados e ela mal sabia se tinha forças para continuar. Ela ruborizou no mesmo instante e seus olhos verdes ficaram receosos. Mordida no lábio inferior. Mão suando. Era sempre o mesmo todos os dias. Ela quase tinha uma sincope de pensar em passar por aquilo todos os dias. Mas onde está a rainha da coragem?

Voltou a andar.
Respirou fundo três ou quarto vezes.
Colocou a mão na maçaneta.
Retirou-a e colocou novamente.
Abriu uma porta de madeira antiga.

A sala estava escura, exceto num dos cantos onde a janela havia sido aberta. Era claramente o porão, pois as enormes caixas empilhavam-se até o teto e a poeira irritava as narinas mais que eu qualquer outro lugar da casa. Haviam baús, porta-casaco e quadros embrulhados em todos os locais. Até mesmo um piano de calda com um lençol sobre si. Ela passou por um dos portas-casaco e pegou seu chapéu-coco preferido. Era quase uma tradição. Segurou-o entre os dedos enquanto a coragem acumulava-se entre seus olhos. Após um ou quatro passos vagarosos, ela levantou os olhos ruma a janela iluminada.

O pôr-do-sol acabara de começar. Ela havia demorado tanto tempo assim parar chegar ali? Não importava. Diante da enorme janela, podia-se ver o sol embebecendo todo o local com seus raios dourados. A sala iluminava-se ao poucos. A escuridão dava lugar ao dourado característico daquela hora do dia. Nem mesmo uma das palmeiras era capaz de cobrir tamanha vastidão. E lá, entre aquele resplendoroso paraíso, estava o que a menina tanto buscava.

Seus olhos brilhavam refletindo dentro de si os raios de sol. Aliás, ele todo estava brilhando. Seus trajes - antes uma camisa branca e calças sociais negras - agora simplesmente refletiam num dourado vivo e conforme. Seus dentes lampejavam num sorriso alegre e cansado. E em menos do que se leva para piscar os olhos - o que ela fez - lá estava ele, olhando-a nos olhos com intensidade e segurando sua mão entre a dele. Ou pelo menos tentando.

Ele era sem dúvidas a visão mais bonita que Alexia já tivera na vida.
E também era a visão mais morta de todas.

•••


NOTA DA AUTORA; Só explicando: este será um conto dividido, devido sua tamanha extensão. Um folhetin, se preferir tratá-lo assim. Espero que gostem dos meus novos personagens, foram pensados com carinho. E dedico estas palavras às minhas queridas amigas, mal vejo a hora de vê-las novamente.

:*

2 comentários:

  1. Tenho medo de ler o que você escreve. rsrsrsrs Há dias eu queria vir aqui ler tudo, mas me faltava coragem...hj estou aqui e me sinto com mais medo ainda. Não sei porque se acho tudo perfeito. rsrsrsrs Tá lindo aqui filha. bjs.

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