O Inimigo de Infância.

18 maio 2010 / Tags:



2005.
A cinco anos atrás ela o odiava com todo coração.
Você provavelmente ainda não conhecem o motivo,
mas espero que tenha sido bem clara nesta primeira afirmação.

Ele era do tipo de rosto que sempre esteve por lá, do tipo pelo qual você não dá atenção, do tipo que não era seu amigo, apesar de sempre ter estudado na mesma sala. Típico na sexta série. Não que ela nunca tivesse reparado nele. É claro que reparou. Louro, branquinho, voz imponente; tinha um quê de quem sabe de muita coisa, e fazia questão de demonstrar isso. Não lhe agradava, mas lhe agradou numa pequenina paixonite por dois ou três dias. No máximo uma semana, ou um trabalho de grupo, ela não recorda muito bem. Ela percebeu quem ele era e fez por esquecê-lo.

Era uma pena que ele não pensava da mesma maneira. E logo tratou de demonstrar isso, bastando apenas uma brecha em uma das muitas participações em sala de aula que a menina costumava fazer. Ele a humilhou, fez toda a sala rir dela, incluindo seus novos e melhores amigos. Ela nunca gostou de ser tratada com idiota. E então ela passou a odiá-lo. Típico de quando se tem onze anos.

O problema não era que ela o odiava, nem da recíproca. Era o que aquilo causava na sala. Faíscas entre os dois eram trocados todos os dias. Era quase uma tradição, um hobby. Ela adorava tratá-lo como idiota, ele adorava tratá-la como idiota. E faziam questão de demonstrar isso. Mas, como em todas as guerras, nem sempre se ganham as batalhas. E ele era um bom adversário, ela precisava admitir.

Não foi só uma vez que ela chorou. Chorou de ódio e humilhação. Chorou pelo idiota que tanto odiava. E não foi só uma vez que a mãe lhe abriu os olhos para um detalhe que ela julgava completamente incabível. Aquele garoto idiota, insuportável, antipático, metido... Porque ele não calava a boca? Porque fazia perguntas tão idiotas? Porque tinha a língua tão afiada? O que tinha contra ela? Porque ela perdia seu tempo pensando naquilo? Ela não precisava dele. Tinha excelentes amigos dignos de seus pensamentos. Chorava, mas não por muito tempo. Logo estava planejando jeitos de humilhá-lo.

Então a grande notícia. Ele iria embora! Ainda posso vê-la falando com um dos melhores amigos ao telefone. Obvio que ela estava triste, o amigo também ia embora e isso lhe partia o coração, mas ela não pode deixar de dá um gritinho de plena satisfação. Ele iria embora! Por quanto tempo ela não esperou por isso? Tempo demais, pelo que podia julgar.

E de fato ele se foi.
Levando com ele para a mesma cidade os melhores amigos da menina.

Ela ainda chorou no fim do ano, sozinha no seu quarto, sem que ninguém soubesse.

E riu dele porque não o teria mais por perto.

•••


2007

Então haveria uma reunião de toda a turma na casa de uma das amigas? Era o que parecia. Ela não havia perdido o contato com todos eles, apesar da separação em massa da turma tão querida - bem, nem tão querida assim. Não todos pelo menos. Mas porque era mesmo que ela odiava aquele rapaz? Já nem lembrava. Só lembrava que tinha um motivo e era do tipo que mantinha seus princípios.

Mas... Porque seus melhores amigos agora andavam com ele? Foi o que se perguntou ao atender a campainha uma vez e ver seus olhos quase marejarem: os três melhores amigos lá estavam, mais uma vez reunidos com ela. E o inimigo também estava lá. O que ele faz na minha casa? Ela não pode parar de pensar.

Curiosamente, aquela é uma das melhores lembranças que a moça têm daquele ano. Comentaremos sobre ele em outro post, agora, voltemos à sala de visitas da casa da menina.  Ela abraçou os três primeiros com todo fervor, especialmente um deles que não via há tempos. Mas não lembra se abraçou ou não o outro rapaz. Provavelmente, não. Questão de princípios. Os quarto entraram e sentaram-se. Ela sentou num degrau, não por preguiça de pegar uma cadeira para si, mas porque era onde poderia ver os quarto o tempo todo.

Então eles começaram a falar. E falaram por muito tempo. E a menina comentava apenas algumas vezes, preferia escutá-los. E riu. Riu muito mesmo, de verdade. Ao ponto de ter a barriga doendo de dando esforço. Que os amigos eram engraçados de verdade não era novidade, mas... Ela não estava rindo deles, estava rindo do inimigo. Aliás, não dele, mas com ele e sobre o que ele falava.

Desde quando ele era tão divertido? E desde quando ia lhe visitar? E desde quando andava com seus amigos? E porque ele parecia tão diferente? Ela não sabia, só sabia que não lembrava mas porque o odiava; e sentia que tudo aquilo tinha um dedo dos melhores amigos. Típico deles.

No final das contas, ela com certeza deve tê-lo abraçado quando eles precisaram ir embora. Ou não, vai entendê-la. Mas parecia que todo aquele ódio que lhe atormentava havia dissipado. Afinal, as pessoas mudam, não? Ela acreditava naquilo. Precisava acreditar, baseada na própria mudança daquele ano.

Bem, vamos a festa. Aliás, não sabemos se vamos. Ela era nova demais e a festa era a noite, não tinha certeza se o pai iria deixá-la ir - ele era e ainda é bem rígido em sua criação. Mas ele deixou, com um pouquinho de jeito e o famoso "pooor favooor paaai". A mãe foi deixá-la. E quando ela chegou o inimigo já estava com a chave do carro em mãos para ir buscá-la. Curioso... Mas ela não se atentou a isso. Ela adorava festas; adorava estar com os amigos de infância; e adorava tudo aquilo, pelos motivos anteriores.

Não lembrava a última vez que dançou tanto. Tirou até o all star de cano longo num dado momento e ficou de meias. Bebeu refrigerante e riu muito com todo mundo. Era tão bom estar com eles novamente que a euforia lhe dominava. E ainda dançou com os amigos algum tempo, e dançou até com o ex-inimigo - acho que o termo mais cabível é esse agora - e ainda deixou um dos amigos uma vez para conversar com ele.

Ela não sabia ao certo o que estava acontecendo,
só sabia que agora ele lhe parecia quase um conhecido;
era quase querido;
era quase um amigo.
Ou talvez já o era, vai saber.

•••


2009
Eles não perderam o contato. O rapaz decididamente havia mudado - ou começara a lhe mostrar um lado dele que ela nunca conheceu. Tanto faz, o importante é que ela até confiou-se uma vez de ele deixá-la em casa, após uma festa de aniversário de uma das melhores amigas. E ele ainda lhe surpreendia conseguindo ser engraçado e dançando uma música patética, mas que ela adorava. Quem diria que ela o teria no MSN? Ou mesmo que - caso o adicionasse - mantivesse uma conversa agradável e divertida? Quem diria que todo o ódio, rancor e lembranças amargas fossem colocadas de lado para que os dois pudessem rir juntos?

Mesmo assim, ela ainda não havia deixado tudo aquilo. Não era algo que se pudesse esquecer de um dia para noite; eram feridas em processo de cicatrização, mas que vez ou outra ainda insistiam em doer. Ela sempre se perguntou porque tudo aquilo não havia acontecido antes daquela lembranças, porque o havia odiado tanto? Porque a simples menção do nome dele lhe causava espasmos de raiva? Porque ela já o odiara? E, afinal, porque ele a tratou daquela maneira, anos atrás?!... Até que obteve sua resposta.

Certa noite ela estava no MSN e o viu entrar. Os dois começaram a conversar, os normais "Olá" "Tudo bem?" "Sim, obrigada"... E então ele disse que precisava lhe revelar algo. Ela ficou perplexa, afinal, não era íntimos, o que ele teria a lhe falar? Mas, ao final de tudo, ela nunca poderia ter tido revelação melhor. O passado ganhou uma grande luz.

Com relutância, ele finalmente clareou todo o passado. Ele a fez entender o porquê de tudo. Então... Meu Deus, como poderia ser?! Então ele era apaixonado por ela?! Como assim?! A idéia fez os olhos de a moça marejar. Ela finalmente entendeu! Toda a mágoa que havia guardado do rapaz pareceu dessipar-se com a brisa que entrou pela janela. Ela finalmente entendeu! E aquilo explicava tudo! Então sua mãe estava certa? Um riso prazeroso lhe cortou a garganta... Elas sempre estão.

Ele só queria um pouco de atenção dela, como não conseguiu por outros meios, fez seus próprios meios para isso. E conseguiu, só que não de um jeito bom. Mas agora não importava, agora que ela entendia o porquê de tudo, ela já conseguira superar aquele trauma de pré-adolescência e já podia falar livremente sobre o passado que lhe atormentava e confundia pelas amargas perguntas sem respostas... E ela finalmente percebeu tantas coisas que ficou alegre por muitos dias, tudo devido a ele.

Mas a principal coisa que percebeu sobre ele, é que gostava dele.

•••


2010.
Ela já nem se lembrava da voz do rapaz quando pegou o telefone e a ouviu. Apesar das vezes que os dois tinham adentrando as madrugadas em conversas online, ela ainda ficou receosa de conversar com ele. Mas tudo se atenuou quando ela percebeu o carinho com que ele falava. E ela também percebeu que falava com carinho para com ele. E tudo parecia bem. Alias, finalmente estava bem.

Todo o passado fez um pequeno flash entre um piscar e outro de seus olhos. E quando percebeu, ela já estava tentando convencê-lo a vir para onde ela estava estudando - e que era exatamente o colégio que ele havia se mudado naquele ano. E também percebeu que estava fazendo planos com ele.

E o principal, ela finalmente percebeu - Deus, como aquilo lhe soava estranho! - que precisava admitir para si mesma: Ela finalmente o amava, tal como amava os amigos de infância. E creiam-me, vindo dela, isso é realmente muito.

--------------------------------


L.G.N.
eu te amo, meu eterno inimigo de infância ;]

4 comentários:

  1. hummm...fiquei curiosa ;D

    ResponderExcluir
  2. Arrááá, um conto para todas nós meninas que socávamos mentalmente aquele menino que depois disse: "Eu te amava..."

    ResponderExcluir
  3. muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito perfeito não sei como , mais eu não consigo parar de ler , tudo *--------* são de mais parabéns ( obs: tinha um inimigo de infancia assim ) rsrs

    ResponderExcluir